Com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe o fim da jornada de trabalho 6×1 alcançando o número mínimo de assinaturas necessárias para seguir tramitando na Câmara dos Deputados, a discussão acerca de um possível novo modelo de trabalho ganha força no Brasil. A PEC, encabeçada pela deputada estadual Érika Hilton (PSOL-SP), foi impulsionada pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), do vereador eleito carioca Rick Azevedo (PSOL).
De acordo com a proposta, a ideia é pôr fim ao modelo no qual funcionário trabalha seis dias por semana e ganha um dia de folga. Com isso, a PEC alteraria o número limite de horas de trabalho semanais de 44 para 36. A parlamentar ainda abre discussões para implementar a jornada de trabalho no modelo 4×3, ou seja, 4 dias de trabalho e 3 de folga.
Para compreender as diferentes visões sobre o tema, a reportagem do Grupo RSCOM buscou o posicionamento de duas entidades representativas caxienses e do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
O que pensa o setor patronal
Em nota, o presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC Caxias), Celestino Loro, afirmou que a entidade se posiciona de forma contrária à proposta do fim da escala de trabalho 6×1. A entidade entende que uma mudança como essa desestrutura o ambiente de trabalho e gera um impacto econômico negativo, que recai sobre o consumidor:
“Ao mexer em modelos de escalas consolidados, interferimos na dinâmica dos agentes econômicos e causamos um aumento nos custos operacionais, que inevitavelmente será repassado para os preços finais de produtos e serviços. Além disso, essa proposta restringe a flexibilidade nas contratações, dificultando que empresas possam ajustar suas operações de acordo com a demanda, o que é fundamental para manter a competitividade, especialmente em setores de comércio e serviços”, afirmou a nota.
Além disso, a entidade pontua que a medida pode promover o aumento da informalidade:
Restrições excessivas tornam o mercado formal menos atrativo, incentivando práticas irregulares e enfraquecendo a proteção ao trabalhador. Adicionalmente, o fim da escala 6×1 contraria os princípios da Reforma Trabalhista, que buscou modernizar e tornar o ambiente de trabalho mais adaptável à realidade econômica do País.
Redução da jornada é uma bandeira histórica dos trabalhadores
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul e Região, Assis Melo, afirma que mantém a mesma posição que declarou ao assinar a nota da Federação Interestadual de Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil (Fitmetal), da qual também é presidente. A nota afirma que a redução da jornada de trabalho é uma bandeira histórica do movimento sindical, que há décadas luta pelo modelo de semana de trabalho de 40 horas, com ao menos dois dias de descanso.
Infelizmente, quem trabalha sob a escala 6 x 1 está privado de um direito tão básico [descanso]. Essa jornada semanal – de seis dias consecutivos de trabalho, com apenas um dia de folga – é comum em bares e restaurantes, supermercados e comércio em geral, saúde e serviços. Há fábricas no setor metalúrgico que também impõem esse modelo. É uma escala que afasta o trabalhador da família e dos amigos, ao mesmo tempo em que lhe tira tempo para o estudo ou o lazer. Para piorar, nem sempre o descanso ocorre no domingo.
Além disso, a nota aponta para a proposta de substituição da escala 6×1 pela escala 4×3. Portanto, com redução de jornada e sem perdas salariais.
“A unidade da classe trabalhadora é testada nesta grande batalha civilizacional. A Fitmetal e suas entidades filiadas se somam à luta contra a exploração! Pelo fim da escala 6 x 1! Por jornadas e condições de trabalho dignas para todos!”
Dificuldade passa por adequações de empresas a novas tendências de mercado, afirma especialista
De acordo com a coordenadora do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul (UCS), professora Lodonha Soares, a discussão reflete uma tendência no mundo do trabalho. Trata-se de uma revisão do estilo de trabalho estabelecido na Constituição Brasileira de 1934 que faz-se necessária, visto que o processo e a produtividade eram completamente diferentes do que são hoje, no século XXI. Apesar de as mídias sociais terem evidenciado a proposta com muita intensidade, a discussão não é novidade e também não será resolvida de imediato.
Porém, a professora alerta que é necessário observar tanto o lado dos benefícios quanto o lado dos desafios. Segundo ela, será necessário que o governo federal entre na discussão, devido à proporção da proposta, além do fato de ela ter atingido o número mínimo de assinaturas para transitar.
“Do ponto de vista dos setores que serão mais afetados, como comércio, serviços, alimentação, hotelaria, que trabalham em horários diferentes do convencional, deve haver um novo arranjo. Em um primeiro momento, pode ser avaliada uma necessidade de muda os turnos, novas contratações para que não haja um aumento de horas extras por parte dos funcionários. Poderá haver alguma redução na renda do trabalhador. Isso não é comentado, mas, obviamente, de alguma forma, vai ter que ser repassado e esse custo vai para o consumo. E, talvez, gere uma redução na renda ou nas formas de contratação”, afirma a pesquisadora.
Um ponto positivo, segundo Lodonha, seria a redução de faltas no trabalho, visto que muitos dos trabalhadores que trabalham no modelo 6×1 folgam aos sábados e domingos, mas seguem com a necessidade de resolver questões pessoais que ainda requisitam presença física, como consultas médicas, idas ao banco e trâmites burocráticos. Outro ponto que pode apresentar melhorias é a questão da alta rotatividade de trabalhadores em empregos, muito presente no comércio e em supermercados.
Conforme a especialista, a mudança para um cenário mais favorável aos trabalhadores é uma tendência mundial que representa um rompimento de paradigmas que deve ser absorvido pelo mercado com o passar do tempo, a exemplo do formato de homeoffice adotado por muitas empresas no país a partir da pandemia de Covid-19.
“Tem espaço para essa mudança, olha o que aconteceu com o homeoffice, com muitas pessoas dizendo que não seria a realidade do Brasil. E veio a pandemia e hoje em dia muitas empresas não voltaram a trabalhar presencial ou têm o sistema misto. Foram mudanças que se achavam que no Brasil era algo distante, mas podem estar mais próxima do que imaginamos”, avalia.
Diversos atos em defesa da redução da jornada de trabalho foram realizados no país nesta sexta-feira (15). Em Caxias do Sul, houve protesto na Praça Dante Alighieri. Também foram registrados atos em grandes cidades como Porto Alegre, São Paulo, Rio, Brasília e Belém.