Brasil

Após 10 anos, homem é resgatado de condição análoga à escravidão no Sudeste do RS

Trabalhador não recebia direitos trabalhistas e tinha parte do salário paga com cigarro e bebidas alcoólicas em uma propriedade rural de Encruzilhada do Sul

Trabalhador vivia em residência precária no interior de Encruzilhada do Sul | Foto: Divulgação / MPT / CP
Trabalhador vivia em residência precária no interior de Encruzilhada do Sul | Foto: Divulgação / MPT / CP

Um trabalhador de 57 anos era mantido há mais de uma década em trabalho análogo à escravidão em Encruzilhada do Sul, na região Sul do Estado. O homem foi resgatado durante uma operação do Grupo Móvel da Fiscalização do Trabalho, força-tarefa com a participação do Ministério Público do Trabalho (MPT) realizada na última sexta-feira.

Conforme o MPT, ele é natural de Montenegro e vivia há cerca de 10 anos na propriedade rural que também sediava uma carvoaria. No local, vivia em peça de alvenaria mantida em péssimo estado de conservação, sem reboco nas paredes e praticamente sem móveis. A cama em que dormia, foi feita pelo próprio trabalhador com filetes de madeira velha.

Além disso, o proprietário não fornecia roupas de cama e, as que havia no local, haviam sido deixadas lá por outros trabalhadores que haviam passado pela propriedade anos antes e também estavam em péssimo estado de conservação. A água consumida pelo empregado era oriunda de uma fonte aberta no terreno e o proprietário admitiu que nunca realizou nenhuma avaliação da qualidade da água ou de sua propriedade para consumo.

Ouvido pelas autoridades, de acordo com o MPT, o proprietário confirmou que o trabalhador exercia as atividades laborais sem carteira assinada e nunca recebeu alguns benefícios previstos em lei, como o 13º salário. Até mesmo o salário não era pago mensalmente, mas em intervalos de dois a três meses.

Sem contar a falta de regularidade nos pagamentos, ainda descontados dos vencimentos alguns produtos comprados pelo empregador para o consumo do trabalhador. Entre estes estavam, principalmente, bebidas alcoólicas e cigarros. A prática também não é permitida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

O empregado também não gozava de férias regulares e, em depoimento, informou que teria saído de férias somente duas vezes durante os 10 anos que trabalhava no local. Ainda assim, não recebeu pagamentos pelo período.

Após a tomada dos depoimentos na sede do Ministério Público do Estado (MP-RS) em Encruzilhada, o trabalhador foi encaminhado de volta a Montenegro com o pagamento garantido das verbas rescisórias. Também foi assinado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o proprietário, para que ele regularize a situação contratual de seus funcionários em ocasiões futuras, sob pena de multa.

É previsto, ainda, o pagamento de indenização por danos morais coletivos em caso de reincidência. A Defensoria Pública da União também negociou o pagamento de dano moral individual diretamente ao trabalhador.

A operação foi acompanhada pela procuradora do MPT, Tathiane Menezes, e contou ainda com a atuação de auditores-fiscais do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), além da Defensoria Pública da União (DPU), da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF). “A fiscalização do trabalho escravo é importante para a pessoa que está sujeita às condições análogas e, graças ao trabalho dos órgãos fiscalizadores, é resgatada e tem devolvida sua dignidade, mas também por conta do aspecto pedagógico no que diz respeito aos demais empregadores, no sentido de aplicarem as normativas trabalhistas, sempre em prol da dignidade humana do trabalhador”, afirmou a procuradora Tathiane Menezes.

 

Casa praticamente não tinha móveis e cama foi construída pelo próprio trabalhador resgatado | Foto: Divulgação/MPT/CP