Opinião

Pode isso, profe?

Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)
Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)

Nesta semana, foram a Júri popular pessoas acusadas apenas por corrupção no “Caso Eliseu”.

Ué? A Constituição Federal, em seu artigo 5.°, inciso XXXVIII, diz, no Catálogo dos Direitos e Garantias Fundamentais, que é reconhecida a instituição do Júri com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a plenitude de defesa;
o sigilo das votações;
a soberania dos veredictos;
a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Entretanto, a corrupção (popularmente conhecida como “propina”) não é crime contra a vida. Quando passiva, a corrupção é crime cometido por funcionário público (ou a ele equiparado) contra a Administração Pública e está previsto no artigo 317 do Código Penal, inserido no capítulo que trata justamente dos crimes praticados por funcionários públicos contra a administração pública; quando ativa, ela vem disciplinada no artigo 333 do Código Penal, e estará caracterizada quando o crime for praticado por particular contra Administração Pública, e consiste em oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.

Então, como um caso de corrupção seja ativa ou passiva, pode ir a Júri Popular e não ser um caso julgado por um Juiz de Direito? Tu explicaste isso em aula? Acho que sim. Fiz essa pergunta aos meus alunos. Alguns ficaram em dúvida, mas outros não titubearam na resposta e acertaram.

Vamos à elucidação dessa pequena-grande questão: isso é e foi possível no “Caso Eliseu” e em qualquer outro porque, à competência constitucional (mais graduada) do Tribunal do Povo para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida inclui também a competência para julgar os crimes a estes conexos.

Conexão aqui é sinônimo de relação, de nexo e, em Direito, ela resta configurada quando houver um liame entre duas ou mais infrações penais. No caso antes referido, entre o homicídio do Secretário Eliseu e a corrupção (o motivo que ensejou a encomenda de sua execução, segundo a denúncia).

Por isso, corrupção foi denunciada no contexto do crime contra a vida (homicídio do Secretário) e, juntos, os crimes foram pronunciados para julgamento pelo Tribunal do Júri. Na mesma ação penal, foram acusados os executores do homicídio, os mandantes do homicídio e os autores do esquema de corrupção identificado pelo Secretário Eliseu.

Ocorre que havia muitos réus aos quais se imputava condutas distintas, como acima visto, e o processo foi sendo cindido, julgando-se, assim, primeiro, os executores diretos; depois, os mandantes e, por último, os acusados apenas do crime conexo de corrupção, porque é essa a ordem de julgamento estabelecida pelo Código de Processo Penal.

A cisão, portanto, não desloca a competência do Tribunal do Júri nesses casos. A competência do Tribunal do Júri prevalece porque é de maior hierarquia, é dizer, de matriz constitucional. Assim, por mais estranho que nos pareça, remanesceu, na hipótese, para serem julgados pelo mesmo juízo competente – o Tribunal do Povo – os acusados apenas da prática pelo crime conexo de corrupção. Compreenderam? Então, nada a estranhar.