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Remoção de árvores de encostas não é solução para evitar deslizamentos na Serra Gaúcha

Proposição de vereadores de Caxias do Sul e Garibaldi não encontra fundamento na ciência. Pelo contrário: cobertura vegetal ajuda a impedir danos ainda maiores causados pelo excesso de chuvas

Sugestão do vereador Fantinel é remover árvores das margens de estradas. Foto: Marcelo Oliveira / Grupo RSCOM
Sugestão do vereador Fantinel é remover árvores das margens de estradas. Foto: Marcelo Oliveira / Grupo RSCOM


A discussão sobre os deslizamentos que provocaram mortes e inúmeros transtornos na Serra Gaúcha durante as chuvas torrenciais da primeira quinzena de maio, em busca de soluções que evitem que a tragédia se repita, rendeu um controverso apontamento de causa repetido nas Câmaras de Vereadores de Caxias do Sul e de Garibaldi na última semana. A presença de árvores nas Serra foi tomada por três parlamentares como razão para a queda de barreiras. Contudo, o conhecimento científico mostra exatamente o contrário: os danos seriam ainda maiores se a vegetação estivesse ainda mais reduzida.

Na sessão de terça (14) em Caxias, o vereador Sandro Fantinel (PL) prometeu propor projeto de lei para retirar as árvores em 5 metros cada lado nas margens das estradas porque, segundo ele, é por causa delas que ocorrem os deslizamentos de terra. “O que faz desmoronar? O que faz cair a barreira? O peso das árvores. Porque com os solos encharcados, as raízes não seguram mais. Com o peso, despenca tudo junto com a terra, e faz todos os desastres que vimos aí”, opinou.

A posição foi idêntica à dos vereadores de Garibaldi José Bortolini (PDT) e Cássio Fachi (PP), que no dia anterior defenderam, também em plenário, que a solução para a queda de encostas devido às chuvas seria a derrubada das árvores, que “pesam demais”.

 

Sem árvores, situação piora

A ciência, contudo, aponta na direção diametralmente oposta à das especulações parlamentares: a cobertura vegetal é essencial para conter os deslizamentos em todas as fases do ciclo hídrico, e é justamente a remoção descriteriosa das árvores e da mata ciliar que favorece a ocorrência de desmoronamentos – cujo risco é acentuado pelo relevo íngreme e, sobretudo, pelo volume excessivo de chuva em curto período de tempo.

É o que explica uma das maiores especialistas ambientais do Estado, a doutora em Engenharia de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental e mestre em três áreas de Engenharia Ambiental, Vânia Elisabete Schneider, durante 36 anos professora e pesquisadora da Universidade de Caxias do Sul, onde também dirigiu por 13 anos o Instituto de Saneamento Ambiental (responsável por inúmeros projetos implementados por prefeituras, entidades e empresas da região, Estado e país). Ela segue em atividade como professora da Universidade Católica de Trujillo, no Peru.

 

Vegetação é determinante para sustento do solo

Segundo Vânia, a vegetação exerce três funções determinantes para sustentar encostas, duas em cima dos morros e uma às margens dos cursos d’água:

1. As árvores ajudam a retirar água do solo e jogar para a atmosfera por evapotranspiração;
2. As raízes formam uma rede subterrânea, uma espécie de caminho, que ajuda a água a escorrer subsuperficialmente;
3. Na beira dos rios, a mata ciliar tem papel de retenção e filtro. “Todo aquele material barrento que a gente vê no rio é solo que desceu e poderia ter parado na mata ciliar, que evita também a erosão lateral”, explica.

Essas conclusões estão consolidadas pela ciência há muito tempo. “Isso inclusive está prescrito no nosso Código Florestal, que na verdade é um ‘código de água’, frisa. “O que a gente define como área de proteção ambiental é topo de morro, começa lá em cima; encosta, com declividade acima de 45 graus; e margem de rio, que é o que a gente chama de mata ciliar”, detalha a professora.

Excesso de água desestabiliza o subsolo

De acordo com a pesquisadora, o excesso de chuva é, de fato, o principal fator responsável pela grande quantidade de erosões verificados na Serra nas últimas semanas. “A água vai penetrando até o ponto que encontra a interface entre solo e rocha. Ali, se deposita nas rachaduras e atinge o aquífero, onde a água subterrânea perene tem seu espaço. Com isso, se forma como se fosse um ‘rio’ entre o maciço de rocha e o solo que está em cima, criando uma espécie de escorregador que faz com que o solo acima deslize”, explica.

Dessa forma, a redução da vegetação nos morros (ou nos campos na origem dos rios da bacia Taquari-Antas), muitas vezes dando espaço para áreas de cultivo, acaba contribuindo para um maior acúmulo de água no subsolo.

“Quando o topo de morro está descoberto, facilita a entrada da água por este caminho que a gente chama de escoamento basal. O solo se comporta como uma esponja e vai tendo seus poros preenchidos pela água. Isso obviamente faz com que a massa fique mais pesada. Depois, age a gravidade”, observa. “As árvores fazem o papel de estabilização em todas as etapas do ciclo hídrico. O problema é a quantidade de água caindo prolongadamente. Não dá tempo dela escoar, sair do sistema. É isso que provoca os deslizamentos, porque o excesso de água subterrânea não tem por onde sair”, esclarece

 

Inclinação e características do solo também contribuem

Além do excesso de chuvas e da diminuição da cobertura vegetal, o terreno íngreme e as características do solo da região compõem mais um fator que favorece a ocorrência de desmoronamentos de encostas. “Nossa região é de formação basáltica, pedra vulcânica. O solo acima da rocha forma outra camada, mais superficial, composta ao longo de milhões de anos, como resultado da degradação do próprio basalto, da ação da água, da decomposição vegetal, a ação de seres vivos e do Sol. São fatores bióticos que foram o solo”, descreve.

 

Confira a entrevista completa com a professora doutora Vânia Elisabete Schneider:

Confira em vídeo como ficaram encostas e topos de morro na Serra: