Memória LEOUVE

A baleia e a indiferença

A baleia e a indiferença

Mesmo que a Organização Mundial de Saúde (OMS) mostre que o suicídio já mata mais que os homicídios, que os desastres e que doenças como a Aids no mundo todo, o assunto ainda é tratado como um tabu social pela maioria das pessoas, e ainda mais por nós da imprensa.

 

A gente não cansa de divulgar e denunciar casos de violência extrema, homicídios, latrocínios, estupros seguidos de morte e tantos outros casos horríveis que ganham as manchetes todos os dias, mas não tocamos quando o assunto é o suicídio, e a desculpa é que, se a gente falar, isso pode se tornar banal.

 

Mas isso é pura hipocrisia, porque a cada 40 segundos alguém se mata no planeta, e porque o suicídio é a segunda causa de morte entre os jovens, e o número cresce pelo menos desde os anos 80 do século passado.

 

Eu tô falando isso hoje porque esse assunto tá ganhando destaque por causa da ameaça da baleia azul, um suposto desafio russo que há dois anos assusta e que envolve automutilação, tarefas macabras e maldosas, ameaças ao jogador e à família e que termina com a tarefa de tirar a própria vida.

 

E é claro que isso é muito sério, e fazem muito bem as autoridades que já se mobilizam pra combater isso.

 

Porque é evidente que qualquer mecanismo, jogo, desafio ou o que seja que estimule o suicídio deve ser combatido e banido, mas não dá pra gente achar que a culpa do aumento dos suicídios entre os jovens é só da baleia, porque não é.

 

Aqui no Brasil tem estudos que mostram que 1 em cada 10 adolescentes de 11 a 17 anos acessa conteúdo na internet sobre formas de se ferir, e 1 em cada 20 sobre como cometer suicídio, e em cidades como porto alegre o número de suicídios entre os jovens cresceu perto de 20% só no ano passado, bem antes do desafio da baleia chegar por aqui.

 

É preciso caçar essa baleia, sim, mas antes é preciso entender que as causas desse fenômeno estão na falta de atenção, na incapacidade de lidar com as frustrações, com o bullying, com os próprios erros e com os erros dos pais, que fogem do diálogo e entregam à própria sorte a sorte dos filhos.

 

Pois me parece evidente que qualquer desafio como esse da baleia só vira estímulo em quem já tem a ideia na cabeça, né não?

 

Porque a gente bem sabe que os adolescentes são impulsivos, são imaturos e tem um monte de dúvidas na cabeça, mas não dá pra acreditar mesmo que alguém seja tão estúpido a ponto de se matar porque um jogo mandou, né mesmo?

 

A culpa é da falta de respeito, da desatenção, da invisibilidade, da violência e do abuso. A culpa é da falta de amor, da covardia ao enfrentar os problemas e, consequentemente, da incapacidade de enfrentar a vida.

 

Por isso, a culpa não é da baleia ou do seriado da tevê, mas da falta de cuidado com a saúde mental, do diálogo encerrado pra falar da depressão, do pouco caso com as angústias, do tratamento distante, da vergonha que não é combatida e do silêncio.

 

E aí eu te pergunto: você já falou com seu filho hoje?

 

Chame o seu filho e vamos juntos matar a baleia azul, mas, antes de tudo, vamos matar um animal ainda mais perigoso e que precisa ser extinto: a nossa indiferença.