Opinião

Crime exaurido

Para que a gente precisa saber disso?

Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)
Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)

Para que a gente precisa saber disso?

A resposta é muito simples: porque a Constituição Federal garante que ninguém ser processado nem sentenciado senão pelo juízo competente.

Esta é, na verdade, uma garantia de que o Estado não vá escolher perante que juiz alguém deva será processado. E é nesse contexto que importa saber o que constitui um crime exaurido.

Imagine que alguém seja arrebatado e sequestrado em Porto Alegre. O autor do fato rume com a vítima para Gravataí. De lá, realize uma chamada telefônica para a família da vítima, exigindo o pagamento de uma importância em dinheiro para devolve-la com vida.

No telefonema, o sequestrador ainda orienta que o valor do resgate deve ser entregue em Parobé, deixado em uma maleta em local específico.

Os familiares da vítima se quotizam, reúnem o valor e procedem conforme orientação: pagam o restante, deixando a importância em Parobé.

Adiante, a vítima é encontrada em Sapiranga, no hospital, inconsciente, onde foi deixada por um desconhecido.

A questão é a de saber, se identificada a autoria, qual é o juízo competente para processar e julgar o sequestrador. Se você não sabe o que significa crime exaurido, possivelmente, irá dizer: “Óbvio. Em uma Vara com competência criminal na Comarca de Parobé, onde o resgate foi pago”.

Pois é. Mas crime consumado não se confunde com crime exaurido. Crime exaurido é aquele em que o agente, após ter atingido o resultado consumativo, continua a agredir o bem jurídico. Em outros termos, é quando o agente alcança o resultado da prática do ato criminoso já consumado.

Ocorre que o crime de extorsão mediante sequestro é de natureza permanente, e sua consumação ocorre no local em que se deu o sequestro da vítima, com a intenção de obtenção da vantagem indevida, e não no local em que foi o pagamento do resgate, ou seja, o local de obtenção da vantagem. Logo, a competência é do local do arrebatamento, e não o da exigência do resgate, nem a do pagamento do resgate e tampouco o da libertação da vítima.

Outro exemplo pode complementar a elucidação da questão: o delito de concussão é um dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração Pública, e consiste em exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, conforme artigo 316 do Código Penal.

O crime em análise é formal. Ele se consuma no momento da exigência (ex: médico credenciado e atuando pelo SUS exigir valor “por fora” para realizar uma cesariana), independente de o pagamento ser feito ou não pela vítima.

O pagamento, no caso, não passa de exaurimento do crime. É apenas o momento da obtenção da vantagem indevida, pois o crime já estará caracterizado com a mera exigência da importância como condição de uma conduta.

Assim, se a exigência se deu em Caxias do Sul, e o pagamento do valor se deu em Farroupilha, na clínica do médico, em nosso caso hipotético, a competência será de uma Vara Criminal comum da Comarca de Caxias do Sul, onde o crime se consumou, e não onde ele se exauriu.