Dizia eu, outro dia, na Rádio Jovem Pan da Serra, algo importante sobre os quesitos no Tribunal do Júri. No Brasil, o Conselho de Sentença julga por íntima convicção: sete jurados, selecionados da comunidade – pessoas, teoricamente idôneas -, irão decidir, por maioria de votos, secreta e silenciosamente, respondendo a quesitos (perguntas objetivas com um SIM ou um Não), se uma pessoa acusada de cometer um crime doloso contra a vida deve ser condenada ou absolvida.
A ordem dessas perguntas, na verdade, é bem simples. A primeira pergunta indaga se o fato efetivamente aconteceu (existência); a segunda, se a pessoa acusada foi autora daquele fato ou para ele concorreu (autoria).
Respondendo SIM a essas duas perguntas iniciais, o Júri, de regra, firma competência para julgar a causa. Digo “de regra”, porque, em alguns casos, quando o acusado sustenta tese de negativa de dolo (não queria matar, só produzir lesões), ela pode ainda ser afastada no quesito “assim agindo, o réu quis a morte da vítima ou assumiu o risco de produzir esse resultado?” Se os jurados responderem não, reconhecem que o crime é culposo e não têm competência para julgar.
Vamos supor que não seja o caso. Que o réu apenas sustente que não é o autor do delito; que não estava na cena do crime, mas em outro lugar e que tem inclusive um álibi. Então, haverá uma terceira pergunta obrigatória, ao menos desde a reforma de 2008, onde estarão concentradas todas as teses defensivas. Ela será assim: “O jurado absolve o réu?”
Se os jurados, por maioria, responderem SIM, o réu estará absolvido; se responderem NÃO, o réu estará condenado, restando por saber em que medida, o que será definido pelas respostas que o Conselho de Sentença der aos quesitos subsequentes (teses defensivas subsidiárias de privilégio, participação de menor importância ou intenção de participação em crime doloso diverso) e, por fim, as qualificadoras (se houverem).
Penso que esse quesito genérico (e obrigatório por lei) ao Júri (o jurado absolve o réu?) é problemático, com um potencial enorme de induzir o julgador em algum erro de compreensão e decisão, o que suscito apenas como uma reflexão necessária.
É que o Código de Processo Penal, quando, no artigo 386, trata das sentenças penais absolutórias, ele contempla vários fundamentos para a absolvição, dentre eles, exemplificativamente, o reconhecimento, pelo Júri, de que o fato não existiu; de que o fato não configura crime; de que acusado não é o autor do delito e, também, o reconhecimento de que não há provas suficientes de que o acusado seja condenado.
A possibilidade de absolvição por insuficiência de provas representa nada menos do que a consagração do que, em nosso Sistema Jurídico-Constitucional, convencionou-se chamar “princípio da presunção de não culpabilidade” ou da “presunção de inocência”.
Eis a questão. Enquanto, no Brasil, os jurados respondem a pergunta “o jurado absolve o réu?”, acolhendo ou refutando todas as teses defensivas descriminalizantes (e.g, legítima defesa) ou exculpantes, nos Estados Unidos da América, os jurados respondem apenas “guilty” (culpado) ou “not guilty” (não culpado), assim condenado ou absolvendo o réu.
Agora, vejam que curiosos: na Escócia, os jurados respondem a duas perguntas: se o réu é culpado ou se não há prova suficiente de que o réu seja culpado, o que é bem diferente de questionar aos jurados se o réu é inocente.
De fato, são coisas distintas e é de se refletir sobre essas variadas possibilidades e modalidades de quesitação, porque dizer que o réu não pode ser considerado culpado não é o mesmo que afirmar que ele é inocente. “Não culpado”, pelo nosso próprio processo penal (artigo 386 do CPP) pode equivaler apenas a reconhecer que não há provas suficientes de que o acusado é culpado e isso deve, por lei, conduzir a sua absolvição.
Então, se o réu é inocente não é o ponto decisivo. Na minha disciplina de “Técnicas de Júri”, na Faculdade em que eu leciono, costumo dizer aos alunos que, se o advogado passa muito tempo tentando provar que o réu é inocente, às vezes, pode parecer que ele dispensa a Acusação do ônus da prova, ônus que é dela, na medida em que a Constituição garante que todos devem ser presumidos inocentes até prova em contrário.
Entendo relevante colocar em debate, para reflexão, esses outros modelos de quesitação, no Tribunal do Júri, inclusive o escocês, a uma, por me parecer mais harmonioso com nosso sistema processual penal e constitucional; a duas, porque, na acusação e na advocacia, infelizmente, já presenciei alguns absurdos se passarem por ciência, por verdade e por justiça nos Tribunais.
Talvez o tema desperte o interesse de algum acadêmico para aprofundamento da ideia, em sede de TCC ou mesmo em desenvolvimentos posteriores (como Mestrados ou Doutorados), inclusive porque o Direito não é uma ciência estanque, pronta e acabada. Ele vai se construindo, se revisando e se refazendo, com avanços e retrocessos, de modo permanente.