Bento Gonçalves

Aldeia Sór Mág, em Bento Gonçalves, aposta na educação para manter viva a cultura kaingang

Escola indígena foi fundada em 2022 no local, mas ainda carece de recursos para oferecer melhor qualidade de ensino aos jovens estudantes

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Crianças são consideradas o futuro do povo kaingang na região (Fotos: Leon Sanguiné/RSCOM)

Só há um povo original da Serra Gaúcha: o indígena. Mais especificamente, o kaingang, cuja existência na região de Bento Gonçalves é substancialmente anterior à chegada do imigrante italiano. Séculos depois da usurpação de terra da qual os povos originários sofreram em todo o Brasil, os kaingangs estão de volta à região, através da aldeia Sór Mág. Com reivindicação tão singela quanto fundamental: educação.

A comunidade ocupa, atualmente, terreno no bairro São Roque, às margens da BR-470. O grupo chegou ao local há 10 anos, inicialmente de forma provisória, com o intuito de trabalhar na safra da uva, mas acabou se estabelecendo e hoje pleiteia, junto à prefeitura, a regularização fundiária para que possa chamar a terra oficialmente de sua. 49 pessoas residem no local, distribuídas em 14 famílias.

Destes, nove têm importância única para o grupo: são crianças e, desta forma, está com elas a missão de manter vivo o modo kaingang de ser e estar no mundo. Um povo com população estimada em mais de 25 mil pessoas, espalhadas principalmente pelos estados do sul brasileiro, e com uma trajetória repleta de apagamentos culturais e perdas territoriais.

Por esse motivo, em setembro de 2022, sob decreto oficial do Governo do Estado e após muita luta, foi fundada a Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Sór Mág. Um projeto ainda inicial, mas crucial na visão da aldeia.

Na grade curricular, tem o português, a matemática e as ciências, porque a Sór Mag é uma escola estadual como todas as outras, mas com particularidades, porque a Sór Mág, definitivamente, não é uma escola como todas as outras. Além das disciplinas tradicionais, os alunos aprendem a língua kaingang e co-relacionam tudo aquilo que é ensinado em sala de aula com a cultura e a trajetória do povo do qual fazem parte.

Aldeia Sór Mág possui diversas demandas

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                             Na escola, os alunos têm acesso às disciplinas tradicionais e também ensinamentos sobre a língua e a cultura kaingang

Atualmente, apenas uma sala abriga estudantes multisseriados. Um verdadeiro desafio para Ivolni Manoel Antônio, indígena kaingang que atua como professor na escola. Ivolni é aluno do curso de pedagogia do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e quer a sala de aula como habitat para sempre. “As crianças sempre foram muito apegadas a mim e isso me levou a escolher a pedagogia. Para ajudá-las a ter uma educação e um futuro melhores. Eles são o futuro da nossa comunidade.”

Já a organização como um todo da escola está a cargo da servidora concursada Jucemari da Silva Correa. Atualmente residindo na aldeia, ela foi designada ao local exatamente com a missão de fazê-lo funcionar. E é Jucemari quem sabe exatamente do que a Sór Mág precisa para cumprir a função para a qual foi criada. “O ambiente bem organizado chama mais a atenção das crianças, dá ânimo para elas seguirem os estudos. Encaminhamos um projeto para a 16ª CRE para ampliação da escola. Um espaço onde pudéssemos fazer três salas de aula, refeitório e secretaria. Dessa forma conseguiríamos comportar todas as séries que temos.”

Em 2023, a escola possui alunos do pré até o quinto ano. Em 2024, já será necessário organizar o ensino das séries finais do ensino fundamental. Para que seja possível, entretanto, é preciso recurso. Algo que, desde a fundação da Sór Mág, é um problema. “A escola foi fundada em 2022. Só agora estou tendo acesso às contas bancárias. E eu olho direto e nunca tem nada”, lamenta Jucemari.

A coordenadora questiona, por exemplo, a não-inclusão da instituição no programa Agiliza RS, do Governo do Estado, que destinou em 2023 verbas para gerar autonomia às escolas através da construção de salas de aula, cozinhas, refeitórios, banheiros e quadras esportivas. Ao todo, R$ 30 milhões foram distribuídos para 2.341 unidades estaduais contempladas. A escolha das escolas participantes se deu a partir de um diagnóstico elaborado por diferentes secretarias,a partir de reuniões com as Coordenadorias Regionais de Educação.

A reivindicação da aldeia Sór Mág, salienta Jucemari, está respaldada em lei. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que fundamenta a Educação Escolar Indígena, “os Povos Indígenas têm direito a uma educação escolas específica, diferenciada, intercultural, bilínguie/multilíngue e comunitária.”

O que diz a 16ª CRE

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                                                           Ivolni cursa pedagogia no IFRS, com o objetivo de se tornar o professor da aldeia

Responsável pela Escola Estadual de Ensino Fundamental Sór Mág, a 16ª CRE afirmou à reportagem ter feito, no último dia 10 de agosto, repasse de R$ 2.829,60 em forma de verba complementar da alimentação escolar. Ainda conforme o órgão, a escola conta com autonomia financeira no Estado com o valor mensal de R$ 900 – R$ 630 para manutenção e R$ 270 de verba permanente, com pagamento retroativo referente a janeiro de 2023. A coordenadoria afirma que a escola passou a ter permissão para receber o valor a partir da designação de Jucemari da Silva Corrêa como “administradora, em 13 de julho de 2023.

A coordenadora da escola confirma o recebimento dos valores referentes à verba complementar da alimentação, porém afirmou que a instituição ainda não teve creditados os recursos da autonomia financeira.

Sobre a ampliação da escola, a 16ª CRE informou que a análise passa pela Secretaria Estadual de Educação (Seduc), de acordo com a demanda escolas. No cálculo, leva-se em conta o número de alunos e a área construída atual. “Além disso, as ampliações passam pela Secretaria de Obras na Educação, para planejamento de ampliação”, esclarece o órgão.

Por fim, a 16ª CRE escreve, em nota, que “a escola Sór Mág, desde a sua criação, recebeu todo o amparo e suporte pedagógico  de acordo com as leis de amparo indígenas. Pedagogicamente, procura-se preservar a cultura, os costumes indígenas e ao mesmo tempo proporcionar uma educação de qualidade voltada à inserção social dos mesmos através da construção do regimento e dos planos de estudos.”

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                                                                              Principal reivindicação é por ampliação estrutural na escola