Memória LEOUVE

Os cidadãos e a calamidade

Os cidadãos e a calamidade

 

Tive momentos na vida em que andava com o nariz no chão, bem cabisbaixo mesmo. O aluguel atrasado, a folha de pagamento dos funcionários picava de uma semana para a outra; alguns fornecedores ligavam mais do que o recomendável.

 

Nunca vou esquecer o dia em que o fornecedor recusou meus pré-datados, que sempre honrava. Abriu-me a excelente oportunidade de buscar uma alternativa e, o melhor, como não aceitou os pré-datados pude usar aquele fôlego para começar em dia com o fornecedor novo.

 

Crises, ainda bem, são cíclicas. Mas só acreditar nisso e não se movimentar para mudar a situação não resolve. É preciso pegar o bicho pelo chifre. Conversar com o fornecedor. Cortar gastos, enfim, se reinventar. Tudo com dor, com custos, deixando marcas.

 

Hoje mesmo, neste momento difícil que o país atravessa, vejo muitas pessoas se desdobrando em quatro pra fazer frente aos compromissos. Manter condomínio, escola e as contas mais comezinhas em dia não está fácil para muitos. Houve época em que vendi imóvel pela metade do preço para me livrar dos juros. Nem gosto de lembrar. Talvez pudesse ter dado a volta e ainda estar com o valioso terreno. Mas, na época, era preciso estancar a sangria.

 

 

Mas não lembro de ter visto uma situação como a de hoje. Viver num estado em calamidade financeira é uma novidade inimaginável. Perceber que há meses vivemos uma situação em que o Governo não tem caixa para pagar os servidores é algo desolador. Quando a pessoa física vai mal é uma coisa, ela pode se socorrer de amigos, parentes e até pedir ajuda na empresa em que trabalha. Quando a empresa vai mal, ode redefinir estratégias, enxugar custos e, em casos mais sérios, buscar recuperação judicial. Mas quando a União deixa de repassar recursos a municípios, quando o estado deixa de recolher impostos porque cessou a atividade econômica, faz-se o quê?  

 

Ainda não vivemos em tempo de guerra, o que deve ser bem pior, imagino. Mas efetivamente os tempos são para medidas excepcionais. Não vejo como manter uma certa mania de grandeza se as contas não são pagas em dia. É preciso dar sinais de austeridade e é preciso aprofundar mais ainda. É censo comum que a Justiça Militar do Estado é um órgão anacrônico e de compadrio. Há imóveis do Estado sem uso e em deterioração em inúmeros municípios. Mantê-los significa rasgar dinheiro.

 

Vai doer para muitos funcionários públicos, não tenho dúvida. O Estado será diminuído e ninguém gosta de se apequenar. Mas o estado se apequenou antes. Agora está pagando a conta de ter vivido uma realidade que não era a sua; pagando a conta do descaso e do vamos levando.

 

 

Era preciso dar um basta. Pena que os milhares de desempregados no Estado não possam declarar sua calamidade financeira e tirar proveito disto.