Memória LEOUVE

Bandido bom é bandido morto?

Bandido bom é bandido morto?

A que ponto nós chegamos nessa barbárie cotidiana das cidades brasileiras sem compaixão e sem lei, onde o medo de ser assassinado atinge três em cada quatro brasileiros, onde sete em cada dez jovens têm medo da polícia e mais da metade da população acha que bandido bom é bandido morto.

 

Estamos mesmo muito perto da barbárie se os dados apresentados ontem pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e estabelecidos por uma pesquisa realizada pelo Datafolha pro 10° Anuário Brasileiro de Segurança Pública estiverem corretos.

 

E eles devem estar.

 

Porque, convenhamos, o que a gente pode dizer de um país onde mais ou menos 160 pessoas são assassinadas por dia, onde uma pessoa a cada nove minutos vai pra banha geralmente vítima da guerra do tráfico, de bala perdida ou porque o bandido da hora quis levar seu tênis ou o seu celular?

 

É claro que a violência cada vez mais perto de casa assombra e exige respostas, e é perfeitamente compreensível que esse seja o desabafo da insatisfação coletiva contra essa sensação cotidiana de insegurança, impunidade e medo.

 

Mas mesmo assim, nós não podemos aceitar isso. Mesmo com todas as justificativas da impunidade, da inoperância do Judiciário e da falta de condições da polícia, é chocante perceber como estamos tão perto do ódio e da vingança como forma de estabelecer alguma ideia de justiça.

 

Mas simplesmente matar o bandido está longe de ser a justiça, e dar carta branca pra polícia matar bandido, pra milícia matar favelado, é abrir um precedente extremamente perigoso, que aplaude e celebra a exceção como única regra possível.

 

E antes que você venha com aquela acusação fácil de que eu faço parte desse pessoal dos direitos humanos, ou me xingue de esquerdopata ou de defensor de bandido, eu vou logo avisando: eu não tenho bandido de estimação e, pra mim, bandido bom é bandido condenado e preso.

 

Mas veja lá, a mesma regra tem que valer pro ladrão de beira de calçada e praquele que trabalha de colarinho branco nos grandes escritórios, a mesma regra tem que valer pro negro, pro pobre, pro sujo da periferia e pro filhinho de papai com dinheiro no banco e carro reluzente na garagem.

 

E a regra tem que ser a lei; a regra tem que ser a justiça; a regra tem que ser a punição.

 

Porque combater a violência com mais violência, o medo com mais medo, o ódio com mais ódio não vai nos trazer nem a paz e nem a segurança que queremos.

 

 

Muito pelo contrário.

 

 

Porque abrir mão da lei e da Justiça é repudiar o direito à vida, é impedir o direito ao julgamento, e celebrar a violência policial e as execuções à margem do direito é simplesmente legitimar o julgamento das paixões e das indignações coletivas.

 

 

 

E admitir a morte sem regra como única solução possível não é fazer justiça, mas apenas igualar a todos nós na mesma vala comum do medo.