Assim que for notificada pela Justiça, o que deve acontecer até a sexta-feira, dia 19, a prefeitura de Bento Gonçalves terá um prazo de cinco dias para explicar a utilização de um caminhão que transporta dejetos de esgoto na distribuição de água para utilização de alguns moradores. O inquérito civil foi aberto para apurar o caso depois que um expediente preliminar foi instalado no final de 2015 para averiguar esta denúncia e uma licitação para a contratação de uma empresa para a limpeza de fossas.
De acordo com o promotor Alécio Nogueira, do Ministério Público Estadual, o que já está comprovado é o uso do mesmo caminhão para o recolhimento dos dejetos e a distribuição de água, mas é preciso averiguar a procedência da denúncia sobre a destinação da água. “O que eu posso afirmar com certeza é que o caminhão estava imundo, as mangueiras estavam imundas. Se aquilo for para água potável, a coisa complica. E digo mais: daquele caminhão eu não beberia água”.
Extraoficialmente, a prefeitura admite o uso do caminhão, mas afirma que a água não seria destinada ao consumo humano. Recentemente, uma polêmica reacendeu as denúncias porque a água estaria sendo utilizada pelas comunidades indígenas acampadas às margens da BR-470, na zona norte da cidade.
O caso foi apresentado em uma reunião do Conselho Municipal de Saúde no dia 8 deste mês, quando foi informado que o caminhão teria sido consertado e voltado a ser empregado para os dois fins: desentupir esgotos, depositando os dejetos em um dos tanques, e distribuir a água armazenada no outro compartimento.
Para a prefeitura, o transporte da água para o uso dos cerca de 25 indígenas (10 adultos e 15 crianças que teriam chegado há um mês de farroupilha) é feito por um caminhão apropriado, dotado de dois tanques individualizados e isolados, sendo que um deles seria de uso exclusivo para o transporte de água, conforme um laudo fornecido pelo fabricante. A prefeitura afirma que a água utilzada para o consumo seria proveniente de um poço artesiano.
O MP não comprovou o uso da água porque a única vistoria realizada no caminhão, no dia 9 deste mês, foi feita na garagem da Secretaria Municipal de Obras. Em duas oportunidades no mesmo dia, o local recebeu o promotor, o presidente da Comissão de Fiscalização do Conselho Municipal da Saúde, Artêmio Riboldi Júnior, e outros dois membros da comissão, Marino dos Santos e Volnei Lopes, e o comandante do 3º Grupo de Polícia Ambiental (Patram), sargento Paulo César Rodrigues dos Santos, além de um soldado da Patram e uma funcionária do MP.
Mesmo assim, uma vistoria realizada no acampamento indígena teria confirmado a distribuição de água e que os moradores tomariam essa água sem ferver. Uma avaliação da água demonstrou que ela não era adequada ao consumo humana pela baixa concentração de cloro.
Para o presidente da comissão do CMS, a situação é antiga e a prefeitura já havia sido alertada sobre o uso considerado por ele indevido do caminhão, que teria abastecido, além do acampamento indígena, locais no interior, como o Vale dos Vinhedos e a Linha Ferri, e até o Pronto Atendimento 24 Horas, no bairro Botafogo.
Riboldi apresentou ao MP dois relatórios em que relata que, no dia 1º de outubro de 2014, tomou conhecimento do caso porque o caminhão estaria abastecendo o PA 24 Horas. Desde lá, ele afirma que tem tentado em vão alertar as autoridades.
Ele afirmou que entrou em contato com o fabricante do tanque para desentupimento e transporte de esgoto utilizado no caminhão, instalado há cerca de cinco anos, e teria recebido a informação de que o tanque, que possui dois compartimentos mas apenas uma mangueira, não estaria apto a transportar dejetos em um dos tanques e água potável em outro. Para Riboldi, mesmo que a água utilizada para o fornecimento estivesse adequada, o fator que determina o risco a saúde da população é a utilização do mesmo caminhão para desentupimento de fossas e bueiros, transporte de esgoto e água para consumo humano.
As características do caminhão de transporte de água para consumo humano estão estabelecidas na legislação. Entre outras determinações que estariam sendo descumpridas pela prefeitura de Bento, a portaria 2914/11 do Ministério da Saúde afirma, no artigo 15, que compete ao responsável pelo fornecimento de água para consumo humano por meio de veículo transportador garantir que os tanques, válvulas e equipamentos dos veículos transportadores sejam apropriados e de uso exclusivo para o armazenamento e transporte de água potável.
O MP deve seguir investigando o caso e, inclusive, está com os registros de bordo que apontam as viagens do caminhão a serviço da prefeitura. De acordo com a denúncia, funcionários da prefeitura afirmaram que o caminhão passou a transportar água para consumo humano em 2013, o que estaria sendo feito até hoje.