Opinião

Um tema árido de processo penal

Diferenças entre “Emendatio Libelli” e “Mutatio Libelli”

Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)
Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)

Alguns alunos têm dificuldades de entender a diferença entre “Emendatio Libelli” (artigo 383 do Código de Processo Penal) e “Mutatio Libelli” (artigo 384 do Código de Processo).

Talvez essa dificuldade tenha algum fundamento nesse “latinório” que não permite compreender com clareza esses dois institutos que nada mais são do que emendar (Emendatio) e mudar (Mutatio) a acusação.

Emendar e mudar a acusação, são, em efeito, coisas diferentes e têm consequências jurídicas bem distintas. Mas, em qualquer hipótese, não há exatamente um mistério para que a emenda e a mudança sejam assimiladas. É preciso apenas um pouquinho de reflexão. Vamos ao exame.

Quando o Ministro Público oferece denúncia, ele segue a seguinte estrutura: a) deduz a acusação perante o juízo competente; b) qualifica-se como autor da ação, indica sua legitimidade e o suporte probatória em que se funda para oferecer uma acusação; c) qualifica o denunciado; d) descreve a infração penal ao denunciado imputada na denúncia, descrevendo o fato e todas as suas circunstâncias; e) faz o enquadramento legal da infração penal que imputa ao denunciado; e, f) fórmula o pedido de condenação e os pedidos acessórios para, por fim, datar e assinar a peça.

Mas, atenção: ninguém se defende de artigo de lei. Defende-se dos fatos, conforme eles fora. descritos na denúncia, independente do artigo de lei em que os fatos foram capitulados.

Pode, no entanto, ocorrer que os fatos descritos pela Acusação não correspondam ao artigo de lei que, ao final da denúncia, ela enquadrou
formalmente a pessoa denunciada. Por exemplo: o Ministério Público descreveu um peculato, mas enquadrou o denunciado como incurso em um furto qualificado.

Se isso acontecer, considerando que o réu se defende de fatos e circunstâncias, o juiz pode proceder à adequação típica, ou seja, o enquadramento correto do dispositivo legal à correspondência do fato na sentença. Isso em nada nulifica o processo penal, porque não prejudica o réu, já que ele teve a oportunidade de se defender dos fatos, isto é, da conduta de fato descrita na acusação, desimportando como ele foi enquadrado tecnicamente na denúncia (artigo de lei). A isso se denomina “Emendatio” (emenda ou adequação típica, onde não há qualquer modificação do conteúdo fático, apenas nova definição jurídica para o fato).

Coisa diferente ocorre na “Mutatio”. Esta ocorre quando, durante a instrução do processo, ou seja, na fase da produção da prova judicializada, resta evidenciado que o fato do qual o réu se defendeu não ocorreu conforme narrado na denúncia, mas, ainda assim, constitui um crime – um outro crime – o que muda a acusação.

Bem, neste caso, duas hipóteses podem ocorrer: ou esse crime que a prova demonstrou ter ocorrido (e diferente daquele que a acusação descreveu) é mais grave; ou o fato comprovado pela prova é menos grave do que descrito na denúncia.

Sendo menos grave, embora existe uma discussão doutrinária neste tema, quando se trata, por exemplo, de desclassificação de crime dolo para culposo (tema para outra abordagem), a prática não têm enfrentado problema em nossos Tribunais.

Entretanto, em se tratando de crime mais grave, encerrada a fase de produção de provas, se o juiz entender ser cabível outra definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos, de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, ele deve abrir prazo para o Ministério Público para aditar a denúncia, no prazo de 5 (cinco) dias, a fim de que o acusado possa dele se defender, agora, com sua descrição mudada, do qual o réu antes não havia se defendido.

Imaginemos que o alguém tenha sido denunciado por furto. Durante a produção de provas, resta evidenciado que a subtração da coisa se deu com grave ameaça à pessoa (apontou uma faca para a vítima para intimida-la e, portanto, configura roubo).

Óbvio que, se assim for, a própria descrição do fato precisa ser mudada (Mutatio), pois há alteração de conteúdo, e oportunizado ao acusado que se defenda desse novo fato, porque, uma vez mais, a gente não se defende de artigo de lei, mas de condutas que a eles se amoldem.

Por isso, também, não haverá “Mutatio Libelli” em segunda instância (STF, Súmula 453), justamente porque o Tribunal não pode oportunizar nova descrição de fato do qual o acusado não se defendeu.