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“Existe muita maldade”, diz catador que mora na rua há 10 anos em Caxias

“Existe muita maldade”, diz catador que mora na rua há 10 anos em Caxias

Segundo dados da Fundação de Assistência Social, aproximadamente 100 pessoas vivem nas ruas de Caxias do Sul. Essas pessoas, cheias de histórias, passam por diversas dificuldades no cotidiano.

 

Quem nos conta alguma delas é Jeferson Santos Moraes, 38 anos. Jeferson é morador de rua há pelo menos 10 anos. Natural de Porto Alegre, ele residia no bairro Sarandi na capital, onde ficou até os 25 anos. Em seguida, mudou-se para Guaíba, onde era evangélico até ter problemas com drogas.

 

Após esse problema, Jeferson retornou à capital, só que desta vez para morar nas ruas. Jeferson é viúvo do primeiro casamento e teve uma filha desse primeiro relacionamento. Filha essa que ele não vê desde que foi morar na rua. “Pintaram alguns problemas na época. Minha mulher faleceu, eu meio que me perdi na vida. Os irmãos da igreja se afastaram de mim e minha filha, que hoje tem 16 anos, ficou com os tios dela. Eles não me deixam vê-la”, conta.

 

Há dez anos, Jeferson veio embora para Caxias do Sul. Trabalhou como açougueiro em alguns supermercados e, após perder o último emprego, optou por morar na rua junto com sua companheira há mais de seis anos. “Ela está comigo esse tempo e a nossa opção por morar na rua, não é bem nossa. A gente sonha em ter um canto para morar. Um lugar para eu guardar meu carrinho de coleta do seletivo”, comenta.

 

De acordo com o Jeferson, a vida dos moradores de rua não é fácil, ele é catador de lixo seletivo e sobrevive com o que ganha recolhendo materiais. Ele faz a coleta na rua e entrega em uma reciclagem no bairro Panazzolo. “Dá para tirar um troquinho. A gente consegue tirar uma grana para se defender um pouco, mas não é o suficiente, aí a gente pede algumas coisas para quem nos conhece”, diz.

 

Jeferson revela que ele e a mulher recebem muita ajuda de pessoas nas ruas. O auxílio vai desde comida até roupas durante os dias mais frios. “No frio é muito difícil, né? A gente sente no osso a temperatura quando esfria muito”, reclama.

 

Além do frio, e também por vezes a fome, o casal tem como principal problema a busca por um local para dormir. Jeferson conta que hoje dorme em um local improvisado ao lado do prédio da União das Associações de Bairro de Caxias, no bairro Exposição.

 

Antes ele e a companheira dormiam em um espaço que havia no prédio da Defensoria Pública da cidade. Jeferson explica que um dos principais dilemas por morar na rua é a truculência de muitos seguranças. “Existe muita maldade nessa gente. Quando dormíamos na Defensoria Pública, os vigilantes chegavam já chutando. A gente estava dormindo eles já baixavam o cacete em nós. Isso quando não chegavam já espirrando spray de pimenta nos nossos olhos, como fizeram com minha esposa uma vez”, revela.

 

Uma outra situação revelada é a dificuldade em se ter amigos entre os próprios sem teto. Apesar da ajuda de pessoas que conhecem eles por andarem nas redondezas dos bairros Exposição, Panazzolo e Cristo Redentor, ele reconhece que o mesmo já não ocorre com quem vive nas mesmas condições. “Não existe amizade na rua. Um quer comer o outro, quem puder roubar o outro, rouba mesmo. As vezes tenho que ficar de olho porque o material recolhido depois de um dia de trabalho pode desaparecer junto com o carrinho”, desabafa.

 

Jeferson ainda admite que muitos moradores rua roubam para sobreviver e que essa realidade está muito perto de sua rotina, mas ele nega que cometa os mesmos delitos. “Claro que muitos de nós roubam e praticam assaltos para viver. De 100 pessoas, tu tira 1% que não é assim. Eu não sou desse jeito. Faço alguns briks com material que acho na rua, mas não chego perto daquilo que não é meu”, lembra.