Caxias do Sul

Casa de Acolhimento Construindo Igualdade comemora dois anos de funcionamento em Caxias do Sul

Residência tem como finalidade abrigar pessoas que se afastaram da família pela orientação sexual e de gênero

Moradores e coordenadora da Casa de Acolhimento comemoram dois anos da residência, em um café com a imprensa - (Foto: Alice Corrêa/Grupo RSCOM)
Moradores e coordenadora da Casa de Acolhimento comemoram dois anos da residência, em um café com a imprensa - (Foto: Alice Corrêa/Grupo RSCOM)

No dia 1º de Maio de 2023 a Casa de Acolhimento Construindo Igualdade comemorou seu segundo aniversário de portas abertas em Caxias do Sul. O espaço tem como finalidade abrigar pessoas afastadas de suas famílias pelas questões de orientação sexual ou de gênero. Além de acolher o público LGBTQIA+, a coordenação prepara os moradores que chegam para o mercado de trabalho, auxiliando com cursos, incentivando a voltarem para os estudos. A Casa é mantida pela Organização Não-Governamental (ONG) Construindo Igualdade, que já atua na cidade há 20 anos, e fica localizada na rua Miguel Muratore, número 427, no bairro Medianeira.

A coordenadora da ONG e idealizadora da casa, Cléo Araújo, relatou como a Casa de Acolhimento iniciou os trabalhos e o que a motivou percorrer o caminho para abertura do lar. Segundo ela, algumas ações pensadas ao público LGBTQIA+ eram realizadas pela ONG desde 2003, que até então não contava com um espaço destinado aos que sofriam vulnerabilidade. Além disso, muitas pessoas e principalmente jovens, não haviam concluído o ensino médio, caso pensado também com a abertura da casa, incentivando e os capacitando para o mercado de trabalho, e assim, ter uma vida nova. “A casa surgiu porque nós não aguentávamos mais entregar cestas básicas pela ONG e as pessoas me pedir que não tinham onde ficar. Na minha casa, ela está tão velhinha que se colocar quatro pessoas ela cai, eu acabei levando uma primeira pessoa para lá. Essa pessoa ela trabalha, começou a seguir meu trabalho, mas eu não podia ficar levando as pessoas para minha casa. Com isso, começamos a pensar que teríamos que ter uma casa que acolhesse essas pessoas. Recebi uma denúncia de uma pessoa que estava sendo violentada dentro de um abrigo, lá em Porto Alegre. Me senti ali inútil, pois não podia fazer nada. Ai pensei, que a minha casa, mesmo velha, ainda me aguenta, e os meus irmãos precisam mais desse espaço. E aí, consegui alugar a casa”.

O lar teve os primeiros móveis como camas e mesas construídas pela própria Cléo, que não mediu esforços para auxiliar os que precisavam.

Atualmente, a casa possui quatro moradores, todos trabalhando e estudando, além de receberem todo o suporte com cursos profissionalizantes. Diego, o primeiro a residir na casa, relembra a sua situação quando chegou em Caxias do Sul. Além de todo o suporte, ele destaca o trabalho realizado pela coordenadora, com o incentivo aos estudos e ao trabalho. “Eu lembro quando cheguei aqui na casa, entrei em contato com a Cléo, a gente conversava todos os dias, eu planejei de vim para cá, desisti, tinha uma insegurança. Pois a pessoa que vem para a casa é porque realmente precisa, precisa ser acolhida, abraçada, ganhar amor, carinho, ter uma família de verdade. O interessante de ver como a casa mudou, com as divulgações, com as doações. Aqui não é só uma casa, tem uma tenção da Cléo, que nos instrui, que nos oferece cursos e está ali para nos acolher”. Atualmente, além de Diego, mais duas moradoras estão abrigadas na Casa de Acolhimento.

Cléo também relembrou, dentre muitas histórias, uma das mais marcantes durante os dois anos de portas abertas. Uma jovem, chamada Camille, diagnosticada com Síndrome de Addison, teve uma história de muita luta e persistência, desde precisar de cuidados especiais em uma unidade de atendimento e enfrentar o afastamento da família. “Ela não tinha muito contato com a família. A Camille ficou internada por muito tempo, ela sofreu preconceito em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), desde enfermeiro se negar a atender ela. Justamente no dia em que tínhamos todas as provas disso e saiu a matéria sobre, ela faleceu. No dia anterior, ela tinha assistido às aulas, falado com o pai dela que fazia tempo que eles não se falavam, e ele a chamou de filha. No dia seguinte, tínhamos uma atividade da ONG e recebi a notícia, que para mim foi um baque. Ela tinha toda uma história, tinha sonhos. Foi muito difícil essa primeira morte para nós.

Até o momento, cerca de 36 pessoas passaram pela casa, sendo que 30 foram acolhidas no estabelecimento. Em 2022, a casa precisou reduzir sua capacidade de 10 ocupantes para 5, devido à falta de recursos financeiros para o mantimento.

O custo de manutenção da casa gira em torno de R$ 4 mil, distribuídos entre aluguel, contas de água, luz e internet. O valor também é revertido na compra de alimentos e melhorias para a residência. A comunidade pode apoiar a casa ou a ONG Construindo Igualdade, por meio das redes sociais em @ongconstruindoigualdade.

O lar também conta com um brechó no espaço. Muitas doações de roupas na ONG são distribuídas aos moradores da casa, e aquelas que não servem, são disponibilizadas no Brechó Beneficente, o qual agrega no faturamento da casa e ajuda a mantê-la. O funcionamento do brechó é de segunda a sexta-feira, das 14h às 16 e aos sábados, das 09h às 12.

Fotos: Alice Corrêa/Grupo RSCOM

Serviços disponíveis para os moradores da Casa e da ONG Construindo Igualdade

A Casa possui assistência psicológica em parceria com o Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG) e com a Faculdade Anhanguera. Também, é disponibilizado atendimento EAD para o público LGBTQIA+ que sofre com síndrome do pânico.

O acesso à educação é um ponto crucial desenvolvido na ONG. Os moradores da casa recebem preparação para o Enem, ENCCEJA ou demais vestibulares, com revisão de conteúdos e auxiliando os que estão em busca de finalizar os estudos. O projeto Prepara Enem tem quinze vagas para a comunidade em geral, destas, a preferência é para estudantes da rede pública, pessoas trans, negras, indígenas e PCD’s, e pessoas LGBT em situação de vulnerabilidade.

Os moradores da casa de acolhimento também recebem cursos de arte-terapia, no qual eles podem expressar sentimentos por meio de pinturas e oficinas.

Durante os meses de fevereiro, no Carnaval, a ONG também conta com um bloco intitulado Bloco Arco-Íris, que além de levar divertimento aos participantes, também são arrecadados fundos, por meio da venda de abadás, revertidos à ONG.