Memória LEOUVE

Indústria da multa, fábrica de infratores

Indústria da multa, fábrica de infratores

Daqui a meio ano, as multas e punições pra quem comete infrações no trânsito estarão bem mais pesadas. A intenção da reforma no Código de Trânsito é uma forma de conseguir à força o que a educação não conseguiu: tornar as ruas e estradas um lugar mais seguro.

 

E é claro que a chiadeira já começou. Uns reclamam que as multas são injustas, outros reclamam que as regras são absurdas, há ainda os que denunciam a existência de uma indústria da multa, mas poucos são os que admitem que somos muitas vezes imprudentes, outras vezes mal-educados no trânsito, e que só quem comete infração é que é multado.

 

Não é preciso ir muito longe pra comprovar o que eu estou dizendo: vá até a esquina da sua casa, fique lá 15 minutos e responda: quantos motoristas passaram no sinal vermelho? Quantos ignoraram o pedestre na faixa de segurança? Quantos mudaram bruscamente de faixa sem sinalizar a manobra?

 

Você vai comprovar que carros passam no sinal vermelho a toda hora, que motociclistas furam o sinal depois que todos os carros estão parados. Você vai ver motoristas andando acima da velocidade permitida, vai ver carros fazendo manobras proibidas, vai ver motoristas de ônibus que aceleram quando veem um pedestre na faixa.

 

Infelizmente, o pessoal parece respeitar a sinalização só quando tem punição envolvida. É triste, mas é assim, e por isso temos que aplaudir a inciativa de mexer mais fundo no bolso dos infratores.

 

Ok, é certo que pode haver excessos e injustiças, e será preciso investigar e fiscalizar com rigor para eliminar qualquer possibilidade de erro.

 

Mas a verdade é que, se há uma indústria de multas, há também uma fábrica de infratores nas ruas.

 

Toda vez que a educação para o trânsito não é dada nas escolas, toda vez que fazemos vista grossa à corrupção que dá os atalhos para quem não quer prestar o exame e sair com a carteira de habilitação, toda vez que deixamos o carro em fila dupla pra buscar o filho na escola.

 

Andamos em ônibus que freiam e aceleram bruscamente sem a gente reclamar, e reclamamos do motoqueiro da tele-entrega que atrasou cinco minutos sem nos perguntar quantos sinais ele desrespeitou e sabendo que ele vai trafegar na contramão, na calçada e cruzar o canteiro central pela grama para chegar na hora na próxima vez.

 

E assim seguimos morrendo no trânsito. Um pedestre por dia. Um motociclista por dia. Um motorista a cada dois dias. Não são números, e nem são os números que importam. São pessoas. Que saíram de casa e esperavam chegar em algum lugar. E voltar, como eu e você.

 

É claro que, desde que aprovamos o Código de Trânsito, há quase 20 anos, o número de mortes e acidentes baixou, e isso merece ser comemorado. Mas o problema é que essa estatística fatal é ainda muito alta.

 

 

O certo é que cada pequeno movimento na direção certa precisa ter nosso apoio incondicional. Porque a verdade que está nas ruas é que nós ainda andamos rápido demais, dirigimos mal demais, desrespeitamos demais e morremos demais.