Memória LEOUVE

O samba do pixuleco

O samba do pixuleco

João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili que não amava ninguém.

 

Os versos da quadrilha romântica do saudoso poeta Carlos Drummond de Andrade bem podiam ser adaptados à outra quadrilha, bem mais perigosa, que atua à luz da botocuda política tupiniquim.

 

Temer, que amava Cunha, que amava Maranhão, que amava Dilma, que não é mais capaz de amar ninguém…

 

Os últimos versos dessa quadrilha ainda estão por ser escritos, mas a promiscuidade do poder está escancarada nos últimos atos dos personagens principais.

 

Quando Cunha abriu o processo que vai derrubar Dilma, Temer aplaudiu. Naquele dia, a fantasia de 367 deputados que votaram pela mãe, pelos filhos e pelo próprio bolso chocou o mundo todo, mas Cunha seguiu impávido e temer posou de estadista preocupado.

 

Quando Maranhão votou contra, Cunha mandou a horda que vaiava calar. É que Maranhão tinha recebido uma oferta mais vantajosa e pulou pra ala do governo. Cunha fez que não era com ele. Mas era. No dia seguinte, Maranhão castrou o conselho de ética contra Cunha, e Cunha aplaudiu.

 

Quando foi Cunha a cair, quem calou um silêncio constrangedor foi Temer. E Dilma aplaudiu. Mas não foi por gratidão que Temer não cantou o coro dos contentes. Mesmo fora da avenida, Cunha desfila poderoso com sua bateria capaz de atravessar o samba de adversários e aliados que desafinam na hora do refrão.

 

Temer quis então calar Maranhão e declarar vaga a presidência da Câmara. E Cunha chiou e tocou o samba com seus tambores silenciosos.

 

Quando Maranhão quis calar o impeachment, Temer vaiou, Cunha calou, Dilma aplaudiu. Maranhão virou porta-bandeira de uma escola que sabe que vai cair pro grupo de acesso, e Dilma sorriu, talvez seu último sorriso na avenida.

 

E viu Renan, que não tinha entrado na história, entrar na estrofe pra acabar com a brincadeira. E fez o conselho de ética do Senado acelerar a queda de Delcidio pra poder cassar Dilma e tudo se acabar na quarta-feira.

 

O que será de todo esse carnaval fora de hora só saberemos quando Lula virar pixuleco e a ala das baianas for rodar suas saias na apoteose da Papuda.

 

 

O certo é que, em todos os quesitos, o silêncio de Temer diante de Cunha garante o silêncio de Cunha diante de um país que tem saudade da quadrilha inofensiva de Drummond, mas que atravessa o samba na avenida, desconfiado, dividido e desafinado.