Memória LEOUVE

O choro a soldo e a injustiçada

O choro a soldo e a injustiçada

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Começando a semana da votação no Senado da continuidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff e agora que o afastamento dela são favas contadas e só quem acredita em gnomos e duendes acha que ela ainda tem saída, a rotina no Palácio do Planalto não mostra aquela resistência anunciada aos gritos de "não vai ter golpe!" que ganharam ontem boa parte do país nas comemorações do Dia do Trabalhador.

 

Nos gabinetes de Brasília, os funcionários já encaixotam suas tralhas e já falam abertamente sobre a passagem de bastão pro vice-presidente Michel Temer. E, diante dessa certeza de que será afastada pelo menos por até 180 dias, a presidente já lançou seu último pacote de bondades, com o reajuste do Bolsa Família e do Imposto de Renda, e combinou com a equipe uma demissão coletiva.

 

Enquanto isso, do outro lado da Praça dos Três Poderes, alguns sinais de que os vencedores buscam uma maneira de descartar Eduardo Cunha começam a aparecer. Afinal, não vai pegar nada bem que o tal “governo de salvação nacional”, como apelidou Fernando Henrique Cardoso, tenha Cunha como segundo na linha sucessória.

 

Mas o problema é que não vai ser fácil se livrar do gosto amargo que Cunha tem pro próprio Temer e pros seus aliados. Ou alguém acha que ele vai aceitar ser jogado no lixo como um bagaço de laranja que já deu caldo?

 

E não dá pra esquecer que vingança é um prato que o presidente da Câmara gosta de comer ainda quente.

 

Cunha é mesmo uma batata quente nas mãos de Temer, e a solução que está sendo cozida seria deixar essa batata esfriando só nos dias em que o então presidente Temer tiver que deixar o país. Esse purê estaria dentro da lei, que não permite que um réu seja Presidente da República, e, pela cara-de-pau dos cozinheiros, pode bem ser apreciado à boa mesa.

 

Mas é difícil achar que, depois de tudo que fez, Cunha aceite sair da festa sem ganhar a sobremesa. E olha que ele tem lá os seus temperos pra apimentar esse cozido, Por isso mesmo, é ainda mais difícil acreditar que ele poderia renunciar à presidência da Câmara pra preservar o mandato e manter o foro privilegiado.

 

Vamos combinar aqui: a troco de quê ele faria isso, se é exatamente como presidente da Câmara que ele usa o poder pra barrar o processo de cassação do seu mandato no conselho de ética?

 

O certo é que, enquanto Janaína chora lágrimas a soldo e Dilma faz o papel da injustiçada, as verdadeiras bruxas estão cozinhando um grosso caldo de acordos e negociatas que vão causar uma bruta indigestão a esse país de famintos de um prato que, infelizmente, parece que ainda vai continuar em falta: a honestidade.