Como diz, recorrentemente, Alberto Becker, advogado que, curiosamente, é meu filho, “punir é necessário; é civilizatório, conquanto respeitado o devido processo legal”.
Concordo plenamente com esse posicionamento. Mas o que significa esse conceito: “o devido processo legal”? Aliás, qual é o sentido de “estado de direito”?
Antônio Magalhaes Gomes Filho, prefaciando a obra de Alberto Zacarias Toron (in “Habeas Corpus”. 5.a Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023) nos dá boas respostas.
O referido autor sustenta que, “Dentre as notas essenciais à conceituação de Estado de Direito, destaca-se o reconhecimento de que certos direitos dos cidadãos, indispensáveis à própria existência e ao desenvolvimento da personalidade humana, que não podem ser ultrapassados no desempenho das funções estatais”.
Ainda salienta que, “De nada valeriam tais direitos ou liberdades individuais se, ao lado de sua proclamação, o texto constitucional não previsse, também, correspondentes instrumentos para a proteção do indivíduo, que são as garantias contra a utilização do poder arbitrário; sem elas, sem elas, estaria certamente comprometida a efetividade daqueles mesmos direitos
e liberdades.”
Eu concordo plenamente com tudo isso. O “fair trail” é inerente ao Estado de Direito. O Estado, para aplicar qualquer punição, está submetido a normas preestabelecidas ele mesmo. Se não respeitadas as regras constitucionais do “jogo”, o processo não passa de um simulacro ou, se quiserem, de “um jogo de cartas marcadas” e regras de ocasião, inventadas ao talante do Poder. Isso se chama arbítrio, incompatível com o estado de direito.
Tendo isso como pressuposto, questiono: É condizente com o devido processo legal que os acusados delatados e seus advogados não tenham acesso ao conteúdo incriminatório das declarações do delator, ou tenham acesso restrito a elas, inclusive se os delatados ou alguns já estiverem presos e/ou sendo processados?
É preciso ter em mente que, não é raro, sob argumento de proteger os delatores/colaboradores (por vezes, necessário), o acesso ao conteúdo de suas declarações incriminatórias é negado até para advogado do delatado. Declarações, sublinhe-se, que selam o destino do acusado, enquanto, por acordo, a jurisdição profere sentenças que extinguem a punibilidade do delator.
Esse tema é instigante e custou bastante tempo, desgaste e mesmo sofrimento, até que os Tribunais Superiores comeram a se posicionar sobre a temática, anulado inúmeros processos pela inobservância do devido processo legal, ou seja, aqueles em que foram negaram aos acusados direitos fundamentais, não sem críticas de leniência de julgadores (o que não se confunde com decisões que não nos agrade, o que deve ser dito).
Porém, precisa ser assim, porque nenhum ser humano está livre da persecução penal, com ou sem culpa; sendo ou não autor de um fato criminoso, inclusive pela falibilidade daqueles que exercem o poder jurisdicional, o que inspira, ademais, o sistema recursal, em que a boa autoridade tem o dever de vigiar e alterar a má ou equivocada autoridade anteriormente exercida.
Quando acusados, qualquer um de nós brada pelo devido processo legal, porque pimenta não dói nos olhos dos outros; nos da gente, dói, sim.
Talvez algum aluno se anime a um TCC neste tema, especialmente aprofundando o que os Tribunais Superiores têm dito sobre este assunto que culminou com tantas absolvições (inclusive na Operação Lava Jato), e que tem aplicação prática tão relevante em toda atuação jurídica, especialmente na advocacia criminal.