Comportamento

Incêndio na Boate Kiss: 10 anos de tristeza e impunidade

Tragédia com 242 mortos em Santa Maria comoveu o país

BOATE KISS
Foto: Fernando Frazão/AB

O incêndio na boate Kiss completa dez anos nesta sexta-feira (27). A tragédia provocou a morte de 242 pessoas, mais de 600 feridos e comove o país até hoje, sem nenhum réu responsabilizado. O drama começou por volta de três horas da manhã do dia 27 de janeiro de 2013, quando o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, acendeu um objeto pirotécnico dentro da boate, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

A espuma do teto foi atingida por fagulhas e começou a queimar. A fumaça tóxica fazia as pessoas desmaiarem em segundos. O local estava superlotado, não tinha equipamentos para combater o fogo, nem saídas de emergência suficientes. Morreram pessoas que não conseguiram sair e outras que tinham saído, mas voltaram para ajudar.

Delegado fala sobre o dia da tragédia

O delegado regional de Santa Maria, Sandro Luiz Mainers, contou que o pânico se instalou quando a fumaça se espalhou e a luz caiu. As pessoas não sabiam como fugir.

“E isso fez com que algumas pessoas enganadas por duas placas luminosas que estavam sobre os banheiros da boate corressem na direção dos banheiros e não na direção da porta. Então, houve um fluxo e um contrafluxo. Algumas corriam para o banheiro e outras tentavam correr na direção da porta de entrada. Isso fez com que muitas pessoas morressem porque algumas acabaram sendo derrubadas, algumas caíram”, relatou.

Além da falta de sinalização, quem tentava sair esbarrava nos guarda corpos que serviam para direcionar as pessoas ao caixa da boate, disse o delegado.

“E os guarda corpos foram determinantes até porque nós encontramos corpos caídos sobre esses guarda corpos”, afirmou.

Dez anos depois da tragédia, ninguém foi responsabilizado

Após dez anos da tragédia em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, ninguém foi responsabilizado.  Os sócios da boate Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos; e o auxiliar Luciano Bonilha Leão foram acusados de homicídio pelo Ministério Público do Estado (MPE). Em 2021, eles foram condenados pelo Tribunal do Júri a penas de 18 a 22 anos de prisão. Sob o argumento de descumprimento de regras na formação do Conselho de Sentença, o Tribunal de Justiça do estado anulou a sentença e revogou a prisão em agosto do ano passado. O MPE recorreu da decisão.

O delegado regional de Santa Maria, Sandro Luís Meinerz, que conduziu a investigação do caso, lamenta a demora da justiça.

“Estamos fechando agora no dia 27, dez anos dessa absurda tragédia e, infelizmente, nenhuma resposta final desse processo foi dada para sociedade e, principalmente, para os pais e familiares dessas vítimas que morreram, fora aquelas que ficaram sequeladas”, disse.

A defesa de Luciano Bonilha afirma que a sentença do júri, que foi anulada, era injusta. O advogado Jean Severo espera uma solução no fim deste ano. Já o advogado de Mauro Londero, Bruno Seligman de Menezes espera que a anulação seja mantida e que um novo julgamento tenha uma sentença justa.

Segundo a advogada do vocalista Marcelo Santos, Tatiana Vizzotto Borsa, o músico segue trabalhando em São Vicente do Sul, enquanto aguarda a decisão de tribunais superiores. A defesa de Elissandro Spohr não quis se manifestar.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul disse, em nota, que além dos quatro réus por homicídio, 19 pessoas, entre bombeiros e ex-sócios da boate, foram acusadas por crimes como falsidade ideológica e negligência.

Outras 27 pessoas foram denunciadas por falsidade ideológica, porque assinaram documento dizendo morar a menos de 100 metros da boate, o que foi comprovado como mentira.

Mudanças na legislação

A tragédia escancarou a fragilidade nos critérios de segurança em casas noturnas e exigiu uma resposta dos legisladores. Em 2017, entrou em vigor uma nova lei federal, conhecida como Lei Kiss. O texto estabeleceu normas mais rígidas sobre segurança, prevenção e proteção contra incêndios em estabelecimentos de reunião de público em todo território nacional.
Entre as mudanças na lei, aspirante a oficial do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal e pesquisadora do caso Kiss, Kirla Pignaton, destaca a determinação de que cada estabelecimento tenha a lotação máxima na porta de entrada. Outro ponto foi a inclusão de noções de segurança contra incêndio e pânico nos cursos de engenharia e arquitetura.
Entretanto, ao sancionar a lei, o então presidente Michel Temer vetou 12 trechos, nos quais estão a criminalização do descumprimento das ações de prevenção e combate a incêndio e a proibição do uso de comandas em casas noturnas.
Segundo Kirla Pignaton, o caso de Santa Maria não é inédito. Outras nove situações similares aconteceram antes em outros países. Para a pesquisadora, a tragédia mostrou a importância de informações sobre a segurança do local.
“[O consumidor passou a] se atentar que não pode ficar em um estabelecimento [sem segurança]. Ele também pode entrar no site do Corpo de Bombeiros e fazer uma denúncia para que eles vão até o local para façam vistoria para verificar se está tudo conforme o projeto, se o projeto de segurança foi executado”, disse a pesquisadora.
No Rio Grande do Sul, ainda em 2013, mesmo ano do incêndio na Kiss, uma lei aumentou o rigor na prevenção contra incêndios. Mas no fim do ano passado, a Assembleia Legislativa aprovou uma lei enviada pelo Executivo que dispensa a necessidade de alvará para 730 tipos de imóveis.

Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) preparou uma programação de atividades para relembrar a data:

Programação de atividades 

Dia 26/01, quinta-feira
• 14h: Coletiva de imprensa no auditório da Sedufsm (Rua André Marques, nº 665)
• 16h: Acolhida (Praça Saldanha Marinho)
• 18h: Abertura (Praça Saldanha Marinho)
• 18h30min:10 anos da AVTSM com Adherbal Ferreira, (pai Jhenifer e ex-presidente), Flávio Silva (pai de Andrielle e ex-presidente) e Gabriel Rovadoschi (sobrevivente e presidente da associação)
• 19h30min: Aniversariando Ausências com Fabrício Carpinejar (Poeta e cronista gaúcho)
• 21h: Exibição do primeiro episódio do documentário da GloboPlay “Boate Kiss: A Tragédia de Santa Maria” (no Theatro Treze de Maio) e painel com atividades simultâneas para aqueles que não quiserem assistir (na Praça Saldanha Marinho)
• 22h:Vigília e ações de homenagem em frente ao prédio em que funcionava a boate

Dia 27/01, sexta-feira
• 10h: Abertura e culto ecumênico (Praça Saldanha Marinho)
• 13h45min: Soltura dos balões (Praça Saldanha Marinho)
• 14h: Mães y Madres: Kiss e Cromañón com Nilda Gomez (Familias Por La Vida – Argentina) e mães da AVTSM
• 15h30min: O Caso Kiss: até quando a justiça vai servir à impunidade? Com Tâmara Soares (advogada que representa a AVTSM no litígio internacional), Paulo Carvalho (pai do Rafael e diretor jurídico da AVTSM) e Pedro Barcellos Jr. (advogado que representa a AVTSM no processo penal)
• 17h: Por que prevenção vale a pena? Com Antonio Berto (pesquisador chefe do Laboratório de Segurança ao fogo e a Explosões no Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e Rogério Lin (superintendente da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT e membro da Associação Brasileira de Proteção Passiva Contra Incêndio – ABPP)
• 19h: 10 anos do ‘‘Kiss: que não se repita” e apresentação da campanha ‘Tempo Perdido’
• 20h30min: Por que contar essa história 10 anos depois? Com Daniela Arbex (jornalista e autora do livro Todo Dia A Mesma Noite: A História Não Contada Da Boate Kiss) e Marcelo Canellas (jornalista e diretor da série Boate Kiss: A Tragédia de Santa Maria)
• 22h: Encerramento com Juliana Pires (cantora santa-mariense)

Dia 28/01, sábado
• 20h: Missa em homenagem aos 242 jovens, na Basílica Nossa Senhora Medianeira

Fonte: Com informações da Agência Brasil