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Polícia Civil já tem 73 vítimas do médico suspeito de cirurgias desastrosas em Novo Hamburgo

Ao menos 18 pacientes morreram e os demais ficaram com mutilações, lesões, sequelas ou complicações

Polícia Civil já tem 73 vítimas do médico suspeito de cirurgias desastrosas em Novo Hamburgo
Foto: PC / Especial / CP

A Polícia Civil já contabiliza 73 casos de vítimas, sendo que 18 delas morreram, de cirurgias e intervenções realizadas pelo médico João Couto Neto, de 46 anos, de Novo Hamburgo, na região do Vale do Rio dos Sinos. A investigação está sendo conduzida pelo titular da 1ª DP de NH, delegado Tarcisio Lobato Kaltbach.

“Esses fatos que estão sendo apurados seriam cirurgias desastrosas”, resumiu na manhã desta terça-feira à reportagem do Correio do Povo. Os pacientes que sobreviveram ficaram com mutilações, lesões, sequelas ou complicações. Estão sendo apurados ao menos os crimes de homicídio doloso por dolo eventual e lesões corporais.

“Trata-se de um inquérito policial iniciado por representação criminal, noticiando crime praticado por profissional da área médica que realiza cirurgias no Hospital Regina neste município e em outras cidades da região, causando diversas mortes de pacientes, resultado de intervenções desastrosas com requintes de crueldade e desumanidade no tratamento pós-cirúrgico dos pacientes com descaso total quanto à saúde”, explicou. “Os pacientes tiveram ferimentos graves em órgãos do corpo e em geral no intestino, e os que sobreviveram buscaram outros médicos para receberem o tratamento adequado para recuperarem a saúde. Vários pacientes foram a óbito”, acrescentou.

“O médico se apresenta como especialista em cirurgias de hérnia, vesícula e refluxo e realiza, em geral, cirurgias por videolaparoscopia. Em depoimentos juntados no caderno investigatório, as vítimas sobreviventes e testemunhas de familiares que foram a óbito relatam que o referido médico quando da realização dos procedimentos, apresentava-se com estado de ânimo alterado, por vezes agressivo e intimidador, não fazendo uso adequado de equipamentos de higienização (luvas, jaleco, máscara), atendendo pacientes sujo de sangue”, constatou o delegado Tarcisio Lobato Kaltbach. “Quanto ao pós-operatório, o médico tratava os pacientes com total descaso, ignorando suas queixas, minimizando a gravidade da consequência desta cirurgia desastrosa. Ele não os encaminhavam  na maioria das vezes à UTI, permanecendo o paciente no quarto sob sua responsabilidade, agravando assim a situação”, complementou.

No início deste mês, os policiais civis obtiveram uma autorização judicial para o cumprimento de três mandados de busca e apreensão na residência e no consultório do médico, além do Hospital Regina, em busca de telefones celulares, aparelhos eletrônicos, prontuários, fichas de atendimento, boletins médicos, relatórios e evolução médica e demais objetos relacionados ao delito.  Toda a documentação apreendida está sendo analisada e, junto com as oitivas das vítimas, será encaminhada ao Instituto-Geral de Perícias (IGP) para avaliar se “existe ou não uma relação de causa e efeito da ação ou omissão dele com o resultado ocorrido”.  O médico compareceu na 1ª DP de NH para ser ouvido. “Ele chegou acompanhado de dois advogados e ficou em silêncio”, lembrou. Um pedido de avaliação psiquiátrica do acusado não é descartado ao longo do inquérito.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul e o Poder Judiciário acompanham de perto o andamento da investigação. A Justiça determinou inclusive o afastamento e suspensão do exercício de das funções por 180 dias do profissional, devendo ele se abster de realizar quaisquer cirurgias ou intervenções invasivas, bem como está proibido de manter contato com vítimas e testemunhas sob pena de prisão. “O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) já instaurou um procedimento interno para curar a conduta dele e se dispôs a colaborar com a investigação”, observou o delegado Tarcisio Lobato Kaltbach.

A maioria dos casos registrados ocorreram dentro do Hospital Regina, que emitiu uma nota oficial. “Prezando pela ética e transparência em suas ações, características que marcam a trajetória da Instituição nestes 92 anos, o Hospital Regina informa que colabora com a Polícia Civil, Ministério Público e Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em sua investigação e que não informa nenhum detalhe sobre os trâmites das autoridades. O Hospital Regina reafirma seu compromisso com a saúde da comunidade e segue normalmente com seu atendimento”, manifestou-se a instituição.

“Só no Hospital Regina, ele fez mais de 1,1 mil procedimentos cirúrgicos em 11 meses. Temos relatos nos depoimentos que chegava a fazer 20 cirurgias em um turno”, revelou o titular da 1ª DP de NH, que acredita que o número de vítimas deve crescer cada vez mais com a repercussão. “As pessoas estão se encorajando e comparecendo na delegacia. Inclusive para muitos nós estamos fazendo as oitivas durante o turno da noite”, relatou, lembrando que os pacientes do médico são oriundos de várias cidades.  O investigado também atuava em outros hospitais.

O trabalho investigativo começou há cerca de dois meses, quando um advogado em nome de alguns pacientes registrou notícia-crime na 1ª DP. O inquérito policial foi então instaurado para “melhor apurar os fatos narrados”. Segundo o delegado delegado Tarcisio Lobato Kaltbach, as vítimas começaram a ser ouvidas. “A gente percebeu assim que eram realmente cirurgias desastrosas que estavam sendo feitas”, recordou. Além das vítimas, o corpo clínico do Hospital Regina está sendo chamado a prestar depoimentos.

Entre os casos citados está uma cirurgia de hérnia inguinal que resultou na perfuração do intestino do paciente e uma operação e retirada de pedra na vesícula e que furou o fígado. Houve até o caso de que uma pessoa teve o umbigo retirado sem necessidade e outro que levou cerca de 100 pontos ao invés de apenas dois ou três pontos. Um paciente teve extraída parte do fígado devido a um inexistente câncer no órgão.

“Ele começou a mutilar e agravar a situação de saúde das pessoas. Muitas foram a óbito. Nós temos fotos horríveis. O organismo podre e a pessoa viva pedindo para morrer e ele dando leite magnésio”, enfatizou. Quem teve tempo de trocar de médico e hospital conseguiu se salvar, mas outros não conseguiram mais reverter o quadro.

Fonte: Correio do Povo