Comportamento

Moradores querem que MP suspenda alvará para condomínio em frente a praça, em Bento Gonçalves

MP deve decidir nos próximos dias se acata solicitação que tenta desqualificar estudo de impacto apresentado por construtora

Projeção arquitetônica do Edifício Legacy
Projeção arquitetônica do Edifício Legacy

O Ministério Público do Estado (MP) em Bento Gonçalves deve decidir nos próximos dias se atende a solicitação dos moradores de três condomínios localizados nas proximidades da Praça Centenário, no centro da cidade, para que o alvará para a construção do condomínio Legacy, que está sendo erguido pela H3 Empreendimentos Imobiliários na rua Félix da Cunha, em frente à praça, seja suspenso. O pedido dos moradores  também abrange a impugnação do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) apresentado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb) no início de junho depois que a promotora Carmem Lúcia Garcia exigiu sua apresentação no âmbito das investigações do inquérito civil aberto em 2021 para averiguar a concessão da licença de construção pela prefeitura.

Conforme os moradores, o EIV apresentado pela empresa Âmbar Arquitetura e aprovado pelo Ipurb é “totalmente inconsistente e sem qualquer embasamento legal, científico e fático”. A afirmação se baseia em um estudo paralelo, contratados pelos denunciantes, que declaram ao MP ter “certeza que o empreendedor iria apresentar um EIV pro-forma, razão pela qual contratou uma empresa especializada para formular tal documento importantíssimo para comunidade e consequentemente para vizinhança”. Conforme o documento apresentado ao MP, o laudo, realizado pela empresa Latus Consultoria, Pesquisa e Assessoria de Projetos, indicaria que o empreendimento é ilegal.

Análise independente

A empresa de consultoria estabeleceu uma análise crítica ao EIV desenvolvido pela Âmbar, e contempla análises de aspectos da relação urbana do empreendimento com sua vizinhança que estabelecem subsídios consistentes para estimar o seu impacto, o que não teria sido verificado no estudo aprovado pelo Ipurb. Entre estes aspectos, a consultoria indica que não há uma definição dos limites do que é considerado como vizinhança do empreendimento, e nem uma justificativa clara para a abrangência territorial das análises realizadas pelo EIV, o que, segundo o relatório, “fragiliza sobremaneira o estudo apresentado”. A Latus acusa o EIV de ignorar a técnica e princípios metodológicos básicos, o que resultaria em análises “condicionadas aos interesses do empreendedor”.
<span;>O relatório também questiona as avaliações do EIV. O estudo de 24 páginas assinado pela arquiteta Cláudia Pilla Damasio indica, por exemplo, que as análises sobre a acessibilidade “não só ignoraram parte das condições estabelecidas para que o impacto do empreendimento seja considerado positivo, mas também não apresentam consistência científica”, e afirma que, independentemente do seu perfil e da sua capacidade operacional, não é possível afirmar que o empreendimento apresenta impacto positivo nas condições de circulação no local. “Consequentemente não se pode afirmar que o impacto do empreendimento quanto à acessibilidade, seja positivo”, escreve a arquiteta.

Outra questão que o estudo independente aponta é a falta de um estudo de impacto na mobilidade, a partir de uma previsão de 360 novos moradores – o que representará um aumento de 136% na população da rua –  e 132 usuários das lojas comerciais, o que “impactará a qualidade da mobilidade da rua Félix da Cunha e as condições de mobilidade da região”. Neste aspecto, demonstra que o EIV não avalia sequer o impacto da realização de uma feira de produtores na área vizinha ou os impactos no trânsito da região central. A arquiteta afirma que esses dados não poderiam ter sido ignorados: “Trata-se de um impacto significativo e que alterará, sem dúvida, a dinâmica na vizinhança. Desta forma, caberia ao Estudo de Impacto de Vizinhança apontar o impacto e à Municipalidade, avaliar a pertinência de medidas que o mitiguem”.

Avaliações ignoradas

Além disso, o relatório acusa o EIV de não dar “relevância ao fato de que o futuro empreendimento localiza-se também em uma Área de Proteção ao Patrimônio Histórico Cultural e Turístico (Appac)”, o que exigiria que o licenciamento fosse analisado pelo Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural (Compahc). Outra inconsistência apontada é a ausência de estudos que indiquem solução de abastecimento de água e de coleta de esgoto e solução de drenagem, especialmente considerando o fato de que foram constatados afloramentos hídricos no terreno, conforme consta no próprio EIV aprovado pelo Ipurb.

Para o grupo de estudos coordenado pela arquiteta Cláudia Damasio, é importante ressaltar também que não estão definidos com precisão os tipos de atividades que poderão ser instaladas nas lojas comerciais. Por esta razão, é válida a preocupação com futuros usos comerciais que possam impactar negativamente a convivência local, como os que têm potencial de aglomerar muitos frequentadores, exigir carga e descarga em veículos de grande porte, ou ter atividade em horário noturno, como restaurantes e bares, por exemplo.

Impactos negativos

O estudo conclui que o EIV falha ao não apresentar levantamentos, informações, imagens e simulações que atestem às conclusões a que chega em cada item analisado, não apresenta conclusão que permita ao leitor do estudo alcançar uma síntese do analisado e tampouco consultou a comunidade do local. Ao final, o relatório contratado pelos moradores do entorno avalia que uma solução para os problemas apontados é ainda mais difícil porque a rua é sem saída. “O empreendimento estabelecerá impacto negativo significativo na mobilidade do seu entorno imediato”, sintetiza o documento.

A prefeitura de Bento Gonçalves reconheceu em maio que houve irregularidade no procedimento de licenciamento da edificação, realizado em 2020, durante o governo do ex-prefeito Guilherme Pasin, e por isso acatou a deterrminação do MP em apresentar o EIV agora, mas ainda não encaminhou o estudo para análise do Complan, outra determinação da promotoria no âmbito do inquérito provocado porque os moradores estão preocupados com o impacto negativo do empreendimento em uma rua sem saída, próximo ao terminal de ônibus e que, projetado para ter 16 pavimentos, com quatro apartamentos por andar, vai gerar um novo e intenso fluxo de veículos e pessoas no local.

Por conta disso, os moradores acreditam que a suspensão do alvará que permitiu a construção deve ser declarada imediatamente pelo MP. Para eles, é preciso evitar uma alegação de que a obra estará em curso avançado, o que tornaria inviável sua adequação.