Opinião

Desígnio, Destino...Quem decide o quê?

Desígnio, Destino...Quem decide o quê?

Escrevi para um outro veículo de comunicação outro dia que ganhei de presente, no Dia das Mães, da minha filha Fernanda e do meu genro Guilherme, a obra “Viver, a que se destina?”, de Mário Sérgio Cortella e Leandro Karnal.

Não pude lê-la, imediatamente, porque, envolvida com a Advocacia e com a Docência, não só em aulas e a preparação que elas demandam, mas, também, como orientadora de três TCCs no semestre, não podia fazê-lo do modo como eu acho que deve ser, é dizer, do único jeito que sei fazer: em detalhes, sublinhado, riscando, discordando, concordado e enaltecendo o que cada leitura me ensina. Livro não riscado, na minha casa, é livro que não li, podem apostar!

Pois chegou o momento oportuno e comecei a ler a obra, escrita ao estilo socrático, em forma de diálogos, nota distintiva, aliás, de toda a filosofia platônica, discípulo de Sócrates. Claro que ela, embora não seja extensa (cento e poucas páginas e, portanto, para ler de fôlego, de uma sentada), fala de questões existências do pensamento humano que, por vezes, constroem e, noutras, destroem nossas certezas.

Entretanto, Filosofia é assim mesmo. Como bem observou Ludwig Wittgenstein (1889-1951), “Filosofar é como tentar descobrir o segredo de um cofre: cada pequeno ajuste no mecanismo parece levar a nada. Apenas quando tudo entra no lugar, a porta se abre”.

No primeiro capítulo, já confesso, me apaixonei pela temática da discussão: “Eu não pedi para nascer”. O tema de fundo suscita uma crise existencial que todos vivemos e que dá título à obra: se não pedimos para nascer, nem nós, nem nossos pais, nem nossos avós e assim, regressivamente, até o princípio do princípio, ninguém é responsável por nada. A vida está toda predestinada do começo ao fim, e somos livres exatamente para nada: é o destino; o determinismo, algo escrito nas estrelas. Logo, a vida não é a que eu planejei, nem a que eu desejei. Alguém escolheu por mim como ela deveria ser. Então, se tudo é predestinado, não tenho compromisso com nada. Cazuza parece tratar disso, na letra da música “Brasil” (toda essa droga que já vem malhada antes de eu nascer).

A que se destina viver, sob a perspectiva de não se pedir para nascer? Se alguém ou algo determinou tudo para nós antes mesmo de chegarmos aqui, não apenas não somos responsáveis por nada, como sequer temos escolhas. Aquele sujeito autônomo, dotado de livre arbítrio, cuja vontade e as escolhas justificam tudo, não existe, porque o “script” já veio pronto: o que há de ser, será. Sua vida será uma tragédia ou não, o que sempre instigou a “Perguntolina” que há dentro de mim a indagar: “Se Deus é bom e justo, como isso pode ser assim?” “Por que uns sofrem enquanto outros riem?”

Nunca, em nenhuma discussão, disse isso aos meus pais. Aliás, eles foram bem liberais, mais um debate nesse nível não teria chance de acontecer na minha casa, embora eu sempre tivesse tido voz e vez, dentro de uma linha de respeito e de reconhecimento do esforço deles para criarem a mim e a ao meu irmão.

Por outro lado, a concepção Filosófica judaico-cristã faz da vida uma concepção dramática, porque nos coloca diante de eleições, não na acepção política, mas no sentido de possibilidade de escolha de cada um, da ideia de fazer algo porque se quer fazer, ante um cenário que se apresenta com várias perspectivas: “fiz porque que quis; foi minha escolha; achei que era bom; que era o melhor para mim”!

Isso faz do ser humano um protagonista do seu destino. Um conformador dos seus fins. Porém, não posso ignorar que isso não traz mais agonia. Reforça, no dizer de Cortella, a ideia do “no pain, no gain”, ou seja, aquela que subjaz à meritocracia: sem sofrimento, não há ganho, “aquilo que, no final do processo, nos dará o louro porque suamos, sangramos, derramamos lágrimas, numa perspectiva de que há a necessidade de merecermos, o desgaste pela luta contínua, que viria, nessa visão, pela luta, pelo desgaste e pela agonia.

Confesso que a vida inteira tendi a compreender as coisas segundo a lógica destacada no parágrafo anterior: eu mereço estar aqui, chegar aonde cheguei, porque ralei para caramba por todas as minhas conquistas. Paguei o preço que muitos, nem em sonho, estariam dispostos a pagar em todos os sentidos. E fiz escolhas certas!

Não é menos verdade, por outro lado, que as alternativas que tive não foram as mesmas que tiveram, por exemplo, aquele menino e a quela menina que nasceram nos locais mais desgraçados, opressores e pobres de todos os Continentes. Não é menos verdade que cheguei aonde cheguei – e sou, por isso, um produto das minhas escolhas -, sozinha. Com certeza, não foi nem sozinha e nem sob uma única variável. Ao contrário, teria um rosário de agradecimentos a todos aqueles fatores e pessoas que me apoiaram e contribuíram para eu ser o que eu sou e penso, algumas que vieram antes (e, também não pediram para nascer) e nem conheci.

O acaso rondou a minha vida. Muitas vezes. Porém, o que exatamente me fez realizar escolhas certas, em detrimento de quem faz tudo errado para sua vida ser uma tragédia (e não um drama). Não sei. Ainda sou a “Perguntolina” tentando encontrar o segredo do cofre. Porém algo me diz que a resposta está nos valores superiores que apreendemos e elegemos em nossas vidas, sem embargo de uma dose de destino (seja para quem acredita em expiação ou aprendizado).