Bento Gonçalves

Prefeito de Bento indica concursos para reduzir terceirizados e confirma participação de empresário em contratações para a saúde

Audiência com MP faz parte de inquérito que investiga contratos milionários da administração de Guilherme Pasin para contratação de servidores terceirizados

Audiência virtual reuniu promotor Alécio Nogueira (abaixo), prefeito Diogo Siqueira (acima, ao centro), secretária de Finanças Elisiane Schenato e Procurador-geral do municipio Sidgrei Spassini.
Audiência virtual reuniu promotor Alécio Nogueira (abaixo), prefeito Diogo Siqueira (acima, ao centro), secretária de Finanças Elisiane Schenato e Procurador-geral do municipio Sidgrei Spassini.

A administração de Diogo Siqueira na prefeitura de Bento Gonçalves está preparando 11 editais para contratação de servidores por concurso público e pretende lançar pelo menos dois certames a cada mês até o final de 2021. A intenção foi apresentada em uma audiência com o Ministério Público em que participaram, além do prefeito e do promotor de Justiça Cível de Bento Gonçalves, Alécio Nogueira, o Procurador-Geral do Município, Sidgrei Spassini, e a secretária de Finanças, Elisiane Schenato. A audiência, solicitada pelo prefeito para expor a problemática que envolve a contratação de mão de obra terceirizada em Bento Gonçalves, revelou que a prefeitura pretende substituir gradativamente os terceirizados a partir de 2022 e faz parte de um inquérito civil em andamento para investigar contratos com duas empresas que fornecem mão de obra terceirizada atualmente para a prefeitura.

“Precisamos diminuir as terceirizações de qualquer forma”, afirmou o prefeito Siqueira na audiência. Ele revelou que a prefeitura está realizando um movimento semelhante ao iniciado em 2017 na secretaria de Saúde, quando a contratação de mão de obra terceirizada foi fragmentada em vários contratos, para evitar a dependência de apenas um fornecedor. Naquele momento, o contrato com a Fundação Araucária não foi renovado, e pelo menos três empresas foram contratadas para a contratação dos servidores para atender nas unidades de saúde e viabilizar outros serviços. A intenção é dividir essas contratações em ao menos três lotes independentes, informou o prefeito durante a audiência. “Quanto mais diminuir o poder dessas empresas, teremos mais tranquilidade para trabalhar”, afirmou.

A terceirização de mão de obra tem sido uma questão problemática em Bento Gonçalves ao longo de mais de uma década. O promotor Alécio Nogueira citou na audiência que o tema é tratado no MP desde a existência da cooperativa de trabalhadores. Em 2013, uma Ação Civil Pública foi movida para reduzir a contratação de mão de obra terceirizada pela prefeitura, o que, segundo ele, foi em partte conseguido. O promotor resgatou os episódios envolvendo a Fundação Araucária e a CCS, outras terceirizadoras que atuaram por anos na cidade e também apresentaram problemas, como atraso no pagamento de salários e paralisação dos funcionários, e fez diversos questionamentos relativos à contratação das empresas Med Saúde e APL Apoio Logístico, alvos do inquérito que apura eventuais irregularidades nas contratações realizadas durante a administração de Guilherme Pasin. De acordo com o procurador municipal, Sidgrei Spassini, há explicações coerentes para a contratação das empresas sem licitação, seja pela emergência provocada pela pandemia da Covid-19, no caso da Med Saúde, ou pela necessidade de manter os serviços sem interrupção, apontada como justificativa original para a contratação da APL sem licitação.

O promotor Nogueira reiterou questionamentos sobre um dos sócios da Med Saúde, que é funcionário concursado da prefeitura e também atua como terceirizado, mas a prefeitura afirmou que o nome do médico, atual responsável técnico na UPA, já não faz mais parte do quadro de sócios da empresa. Para o prefeito Siqueira, o médico tem uma atuação exemplar. “É um grande parceiro nosso, tenho um respeito muito grande por ele”, disse. Quanto à APL, a prefeitura esclareceu porquê não contratou a empresa que apresentou a melhor proposta, confirmando que uma diligência da prefeitura apontou que a empresa não possuía sede própria e que ao menos uma funcionária apresentava vínculos com a CCS, antiga prestadora dos serviços. “Havia boatos de que a empresa era ligada à CCS. Diligências internas comprovaram que uma funcionária recebia pelas duas empresas”, afirmou o procurador do município, Sidgrei Spassini.

Audiência virtual reuniu promotor Alécio Nogueira (abaixo), prefeito Diogo Siqueira (acima, ao centro), secretária de Finanças Elisiane Schenato e Procurador-geral do municipio Sidgrei Spassini.

O promotor questionou a participação do empresário Fernando Léo De La Rue na contratação das duas empresas. Conforme consta no Portal da Transparência, o empresário é sócio da APL e assina como procurador da Med Saúde. O prefeito Siqueira confirmou na audiência o envolvimento do empresário na atuação da Med Saúde. Ele revelou que era De La Rue que “buscava os médicos para trabalharem em Bento Gonçalves”, e que havia contatos diretos com a secretaria de Saúde do município para o atendimento das demandas da área. Quanto à APL, a secretária de Finanças Elisiane Schenato informou que os contatos com a empresa são feitos através de um escritório local, cuja responsabilidade está a cargo de uma gerente operacional, e o procurador Spassini afirmou não ter conhecimento da ligação do empresário com a empresa.

Inquérito em Bento foi aberto em fevereiro

A audiência, realizada em ambiente virtual no dia 8 de junho, foi um dos procedimentos realizados no âmbito de um inquérito civil instaurado na Justiça Cível de Bento Gonçalves em fevereiro deste ano para investigar as condições em que foram celebrados os principais contratos de fornecimento de mão de obra terceirizada para a prefeitura de Bento no ano passado, desde os processos de dispensa de licitação até os aditamentos contratuais realizados ao longo de 2020, último ano do governo do ex-prefeito Guilherme Pasin, e nos primeiros meses deste ano, já sob a atual administração municipal do prefeito Diogo Siqueira.

De acordo com o promotor Nogueira, algumas informações acerca da investigação estão sob sigilo e, “antes da conclusão do inquérito, não é possível estabelecer qualquer juízo de valor”. Ele aguarda para os próximos dias a confirmação de uma agenda em Porto Alegre com representantes do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Estadual (MPE) para cruzar informações do caso com os promotores que participaram das investigações da Operação Camilo, que resultou na prisão de políticos e pessoas ligadas a empresas prestadoras de serviço para a saúde no município de Rio Pardo, deflagrada em maio do ano passado para investigar um esquema que envolve corrupção ativa e passiva, organização criminosa, lavagem de dinheiro, fraude a licitação e estelionato, cujo processo corre em segredo de Justiça.

Uma das questões que o promotor pretende resolver é se as supostas citações ao nome do empresário e da empresa terceirizada na saúde de Bento, reveladas em conversas interceptadas pela Justiça, conforme consta em uma sentença do desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que indeferiu um pedido de liberdade provisória de um dos principais suspeitos daquela operação, se referem mesmo aos envolvidos na investigação local, e o que podem representar para o inquérito civil do MP de Bento Gonçalves.

O elo entre a investigação local e os indiciados na operação do Gaeco é o empresário Fernando De La Rue, cujo nome teria sido citado pelo menos duas vezes em mensagens de áudio interceptadas pela Polícia Federal em celulares apreendidos com dois investigados, na investigação sobre o chamado “núcleo público” do esquema, que resultou na prisão do então prefeito de Rio Pardo, Rafael Reis Barros. Em um dos trechos, um dos interlocutores, que seria um representante das empresas envolvidas no esquema, afirma que um certo Fernando, a quem a justiça identifica provavelmente como De La Rue, é quem indicaria o valor a ser pago como propina a agentes públicos. Uma das hipóteses da investigação é que o empresário ternha ligações com Carlos Alberto Serba Varreira, um dos principais suspeitos presos na Operação Camilo.

A sentença do TRF4 também apontou suspeitas de que a MedSaúde faça parte de um esquema que teria ramificações no estado, com atuação que estão sendo investigadas em outras cidades. Em uma das conversas interceptadas pela Justiça, a empresa é apontada por supostamente ter adulterado horas trabalhadas para superfaturar cobranças que resultaram em um prejuízo de quase R$ 500 mil à prefeitura de Santa Cruz do Sul, o que teria sido confirmado por uma sindicância interna.