Opinião

Reforma Tributária e Insegurança Jurídica

Reforma Tributária e Insegurança Jurídica

Semana passada ocorreu um fato inusitado (ou nem tanto) em relação ao trâmite da Reforma Tributária. Seja como for, esse fato ao menos ilustra como o tema está sendo tratado pelo Congresso e pelo Executivo.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, extinguiu a Comissão Mista de Reforma Tributária, que fora instalada em fevereiro de 2020. Essa extinção ocorreu no final do dia em que o antigo relator havia lido o relatório da Comissão. O motivo dado foi que o texto não complementaria sugestões do Executivo.

O relatório, com mais de 100 páginas, foi divulgado, e imediatamente os profissionais passaram a analisar suas consequências e impactos para todos os setores. Trabalho desperdiçado, pois o relatório de nada vale, já que a própria Comissão foi extinta.

Ou melhor, nem tão desperdiçado assim. A análise do texto demonstra que a reforma não busca a segurança jurídica. Ou se tenta o fazer, utiliza a forma mais complicada.

Sugeri, em outro texto, há exatos 2 anos, que a reforma deveria buscar a segurança jurídica por meio de três medidas simples que mudariam substancialmente a vida de todos os cidadãos: (i) proibição de instituição/majoração de tributos por meio de Medida Provisória; (ii) determinação de que todos os tributos têm que respeitar a anterioridade anual e nonagesimal (que poderia ser estendida para seis meses), com exceção apenas dos tributos de importação e exportação (ou talvez nem destes); e (iii) proibição da modulação dos efeitos de decisões judiciais favoráveis ao contribuinte 1.

Às quais podem ser agregadas diversas outras sugestões, que não estão sendo realmente enfrentadas nessa reforma, como por exemplo: (i) Proibição de incidência de tributos sobre tributos; (ii) Permissão compensação tributária rápida/imediata e irrestrita; (iii) Limitação à instituição de contribuições e taxas; (iv) Uniformização das normas de tributos estaduais e municipais; (v) Uniformização das normas sobre processo administrativo tributário; (vi) Revogação de normas contraditórias, dentre tantas outras medidas.

Talvez a sugestão mais importante: Muito da reforma tributária poderia ser feita por modificações pontuais, e por meio de leis ordinárias e/ou complementares, que necessitam de um quórum muitíssimo menor do que emendas constitucionais. Por exemplo, a definição de que o ICMS será devido para o destino, a definição de uma única alíquota, etc.

Nesse ponto, claro que o ideal seria termos muito menos tributos, mas será que, em vez, de criarmos nesse momento um IBS (Imposto sobre Bens e serviços), modificando o sistema estruturalmente, e com toda a complexidade que se está verificando, não seria o caso simplesmente de simplificar cada um desses tributos por primeiro. Em vez de o IPI ter as dezenas de alíquotas que ele atualmente tem, bastaria uma modificação simples na lei para que o IPI tivesse uma única alíquota.

Mesmo raciocínio vale para o ICMS e o ISS. E se as leis complementares fixassem apenas duas alíquotas, uma geral e uma zerada para determinados produtos como por exemplo cesta básica de alimentos e de medicamentos)? Bem como com a uniformização das legislações estaduais e municipais?O fato é que a extinção da Comissão não busca sanar esses problemas. Simplesmente agora voltamos várias casas nesse jogo, tendo que começar tudo novamente.

O desprezo ao relatório, após um ano de discussões, só demonstra que o nosso problema mais sério segue nas entranhas dos Poderes do estado: Desrespeito aos princípios da não-surpresa, da boa-fé e da confiança. Ausência total de previsibilidade e confiabilidade no sistema tributário. Enfim, desrespeito a qualquer forma de segurança jurídica.

1 https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-reforma-tributaria-deve-buscar-tambem-a-seguranca-juridica-12052019