Quando uma infração penal acontece, a regra é a de que se instaure um Inquérito Policial, pela Polícia Judiciária, com dois objetivos bem definidos: verificar a existência efetiva do crime e quem é o seu autor. Feito isso, cabendo ao Delegado de Polícia fazer o primeiro juízo de valor, ele relatará a investigação, dizendo como a conduziu e indiciará aquele que entender como autor do delito que verificar configurado.
Nos delitos de assédio sexual (CP, artigo 216-A, com pena de 1 a 2 anos de reclusão, uma baita pena, para inibir mesmo!) – um tipo de crime que consiste em constranger alguém para obter ‘favorecimento sexual’ usando, para tanto, a condição de superior hierárquico, podendo ocorrer na iniciativa pública ou privada (inclusive em se tratando de prestadores de serviços) – a tarefa investigatória não é muito fácil.
A uma, porque as vítimas não têm coragem de denunciar, e aqui me refiro à atitude de irem até a Delegacia de Polícia para dizerem que estão sofrendo assédio sexual. A duas, porque, por vezes, optam por se sujeitarem e suportarem o crime, porque dependem do cargo, da função ou do emprego, meio de sua subsistência e da família, ainda mais em temos de desemprego em massa.
Além disso, o assédio sexual, podendo se dar pelo simples constrangimento ou pela prática contínua de constrangimentos, que raras vezes se manifestam em meio público, mas de forma escondida, dissimulada e secreta, ou mesmo quando a vítima está sozinha, valendo aqui lembrar que, em matéria de processo penal, a regra geral é a de que a prova da alegação incumbe a quem a fizer (CPP, art.156).
Outro aspecto a considerar é que, embora o gênero da vítima não seja determinante para a caracterização do assédio, ou seja, o crime é punível seja a vítima homem ou mulher, essa prática se dá, preponderantemente, em relação às mulheres. Em um país de cultura marcadamente machista, não faltará nem homem nem mulher que digam: “ninguém irá me assediar sexualmente, se eu não der abertura para isso˜, é dizer, transforme a vítima em responsável por sê-lo, em defesa de seu algoz.
Fiquei impressionada, a propósito de tudo isso, por ocasião de assistir a um documentário sobre um caso ocorrido em Ponferrada-Espanha, em 1999, com Nevenka Fernández. Ela foi a primeira mulher a conseguir êxito numa condenação por assédio sexual de sua chefia, político influente e venerado na localidade.
Nevenka Fernández, então com 26 anos de idade, sofrendo de forte depressão decorrente de abuso sexual contínuo a que vinha sendo exposta por Ismael Álvarez, Älcaide” ou Governador da Província (uma espécie divisão geopolítica, como uma Prefeitura da localidade), em setembro de 2000, pediu demissão do cargo Secretária de Fazenda que, por competência e titulação acadêmica, ocupava, mudando-se para Madrid.
E, em abril do ano seguinte, 2001, Nevenka Fernández, ela ajuizou ação perante o Superior Tribunal de Justiça de Madrid, experimentando todo o tipo de humilhação, preconceito e hostilidade, inclusive de parte do Promotor de Justiça. Terminado o julgamento, Ismael Álvarez foi o primeiro político espanhol a ser condenado por assédio sexual. Restou condenado a pena de 9 meses de prisão, multa de 6.480 euros, além de uma indenização de 12.000 euros à própria Nevenka Fernández, tendo, ainda, renunciado o mandato no mesmo dia da prolação da sentença. Vale conferir para mensurar as dificuldades de passar por um processo dessa natureza e os danos psicológicos e outros que podem provocar um crime de reprovabilidade mínima em nosso sistema jurídico penal.