Bento Gonçalves

Novas acusações ampliam denúncias contra Pasin e eleitos em Bento

Contratações de servidores temporários e distribuição de benefícios irregulares aumentam suspeitas quanto à legitimidade das eleições na cidade

Rogério Costa Arantes / Repórter Especial

Além do julgamento do recurso no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) contra a decisão que cassou os diplomas do prefeito eleito de Bento Gonçalves, Diogo Segabinazzi Siqueira (PSDB) e de seu vice, Amarildo Lucatelli (PP), os primeiros dias de janeiro de 2021 serão palco de uma investigação em uma nova Ação de Investigação Eleitoral (Aije) recebida esta semana pela Justiça de Bento Gonçalves contra a coligação Gente que faz Bento (PSDB, PP e Republicanos) e contra o prefeito Guilherme Pasin, por uso de poder político durante as eleições municipais de novembro.

A ação, proposta pela coligação Gestão e Trabalho (PSD, PDT e PTB), amplia as denúncias de uso da máquina pública e abuso de poder para supostamente beneficiar os candidatos da situação a partir de condutas vedadas pela legislação eleitoral. De acordo com o advogado Rafael Dorneles da Silva, a nova ação traz outros fatos típicos praticados pelo prefeito em favor dos candidatos Siqueira e Lucatelli. “Embora uma das condutas vedadas aqui veiculada seja objeto de outra Aije, qual seja, a prática de publicidade institucional, a presente ação traz outros apontamentos”, revelou.

Entre as novas acusações, a ação indica a contratação indevida de servidores públicos temporários nos três meses que antecedem as eleições, a distribuição gratuita de bens e benefícios por parte do poder público, o abuso dos usos dos meios de comunicação e a realização de propaganda institucional em favor dos candidatos.

Por conta disso, a ação pede que seja reconhecido o abuso de poder político dos acusados, com a cassação dos diplomas dos eleitos, e que seja declarada a inelegibilidade de Pasin, Siqueira e Lucatelli por oito anos. Para o advogado, os investigados agiram de forma consciente para burlar as vedações da legislação e beneficiar a candidatura da situação nas eleições majoritárias disputadas em novembro deste ano em Bento Gonçalves.

Pasin (E), Diogo (C) e Amarildo são alvos de nova investigação

As acusações

Uma das principais acusações da nova ação é a contratação de 97 servidores temporários no período vedado pela legislação eleitoral. Mas, além das contratações, a ação elenca 16 casos em que a prefeitura suprimiu e readaptou vantagens, removeu e transferiu servidores em período vedado pela lei. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) define como abuso de poder político a infração da norma permissiva da alínea d do inciso V do art. 73 da Lei das Eleições, em face da vedação, no período de três meses que antecede o pleito até a posse dos eleitos, dos atos de movimentação funcional (nomeação, contratação, admissão, demissão sem justa causa, supressão ou readaptação de vantagens, entre outros), porque tais condutas possuem nítido e expressivo impacto na disputa.

O advogado Rafael da Silva afirma também que o prefeito Guilherme Rech Pasin, com o intuito de beneficiar os candidatos Diogo Siqueira e Amarildo Lucatelli, distribuiu gratuitamente bens e benefícios no período vedado pela legislação eleitoral, como as casas de artesanato. Para ele, a ação fere o artigo 73, § 10 da lei 9.504/97, que elenca as condutas vedadas aos agentes públicos porque podem afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais. O artigo diz que, “no ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa”. No entanto, Pasin entregou casas de artesanato em agosto, pouco mais de um mês antes da eleição municipal.

Não bastasse isso, quatro dias depois da eleição, o prefeito entregou títulos de legitimação de posse a moradores do bairro Municipal, o que, segundo a ação, resulta “em flagrante afronta à legislação eleitoral”. “O bairro foi justamente aquele que deu a maior vantagem para os candidatos Diogo e Amarildo em relação aos outros candidatos na eleição”, assinala o advogado.

Além disso, segundo a acusação, a administração pública municipal distribuiu cestas básicas em grande volume e de forma indiscriminada durante o período eleitoral, sem que fossem observados requisitos mínimos da Lei dos Benefícios Eventuais e não inscritos no Sistema Único de Assistência Social (Suas). “Como se denota, resta amplamente demonstrada a conduta ilícita do investigado Guilherme Rech Pasin que, conhecedor das vedações eleitorais instituídas no artigo 73, da lei 9.504/97, agiu de forma a influenciar ilegalmente no pleito municipal, se utilizando do poder inerente ao ser cargo”, afirma Silva.

Somado a esses fatos, o advogado elenca situações “em flagrante conduta vedada e abuso no uso dos meios de comunicação social”, em relação à divulgação institucional da prefeitura, a um vídeo gravado pelo prefeito e a uma carta assinada por ele e dirigida aos eleitores bento-gonçalvenses, conforme consta também na primeira ação. “Cabe relatar ainda as inúmeras propagandas de atos praticados pela administração pública municipal, tais como da execução de obras, de assinaturas de contratos, da realização de inaugurações e uma série de outros atos, todos publicados na página oficial do Município e nos seus perfis oficiais nas redes sociais Facebook e Instagram, em total afronta à legislação eleitoral e em benefício dos candidatos Diogo e Amarildo”, diz na ação.

O advogado também afirma que os envolvidos conheciam as vedações legais, mas, mesmo assim, teriam optado conscientemente por burlar a lei. Ele se reporta a fato de que a administração municipal solicitou autorização judicial para divulgar publicidade institucional relacionada à prevenção e combate à pandemia da Covid-19, o que foi atendido em caráter excepcional pela Justiça.

Desta forma, o investigado Guilherme Rech Pasin, prefeito Municipal de Bento Gonçalves, tinha conhecimento da vedação eleitoral de veiculação de publicidade institucional nos três meses que antecedem ao pleito”, afirma o documento. Mas, mesmo ciente da vedação legal, a prefeitura publicou 373 matérias, apenas no site do município, dando publicidade aos atos, programas, obras e serviços da administração pública municipal. Para Silva, os fatos são agravados porque a ilegalidade supostamente cometida por Pasin não configura um fato isolado, mas da veiculação de centenas de notícias configuradoras de publicidade institucional, publicadas diariamente, de forma reiterada, durante todo o período eleitoral. “Como se denota, houve a reiteração consciente, deliberada e com objetivo da conduta vedada”, afirma o advogado. Entre outras situações levantadas pela ação, aparecem a inauguração de um monumento que homenageia o combate `Covid-19 e  decoração natalina da cidade, que teria utilizado deliberadamente as cores da campanha dos candidatos situacionistas.

Como fica a situação

Independente da ação que já está na fase de recursos no TRE, a nova Aije deve ser objeto de investigação pelo MP apenas depois do dia 21 de janeiro, quando encerrar o recesso do judiciário. De acordo com o promotor eleitoral, Élcio Resmini Menezes, o MP só terá acesso à nova ação depois que os envolvidos sejam notificados, o que ainda não ocorreu, mesmo que o cartório eleitoral tenha tentado realizar a notificação antes do recesso, sem sucesso. Quanto ao processo que resultou na cassação do diploma dos eleitos, que foram diplomados e devem tomar posse em 1º de janeiro por conta de um efeito suspensivo, tanto a acusação quanto a defesa entraram com recursos. Nesta ação, uma nova movimentação também é esperada em janeiro.

A nova ação tenta se antecipar a um eventual posicionamento do MP, que, na ação já julgada em primeira instância, afirmou que um eventual delito dos envolvidos não mereceria a punição da cassação porque não teriam poder para influenciar no pleito. Para Silva, a partir da entrada em vigor da LC 135/2010, que inseriu o inciso XVI no art. 22 da LC 64/90, não mais se exige o requisito da potencialidade de a conduta afetar o resultado das eleições para que se caracterize o abuso de poder, bastando a verificação da “gravidade das circunstâncias”. “Em suma, basta que a conduta abusiva não seja irrelevante para que se configure o ilícito eleitoral. Neste sentido, para que o abuso seja configurado, o critério não é matemático, nem exige um nexo entre a conduta e o número de votos obtidos em razão do ilícito. Mas, tão somente, que tenham capacidade para influenciar o eleitorado concretamente. Ou seja, que os leve a votar no candidato beneficiado ou a execrar seu opositor”, afirma o advogado.