Comportamento

MP investiga supostas irregularidades na terceirização de enfermeiros em Bento Gonçalves

MP investiga supostas irregularidades na terceirização de enfermeiros em Bento Gonçalves

Repórter Especial Leouve – Rogério Costa Arantes

O Ministério Público Estadual de Bento Gonçalves está investigando a ocorrência de possíveis irregularidades em contratos da prefeitura de Bento Gonçalves com a empresa Med Saúde Ltda, que fornece mão de obra especializada para a área de saúde no município. De acordo com o promotor Alécio Nogueira, a denúncia indica problemas na contratação que poderiam resultar em improbidade administrativa, como o fato de que um dos médicos contratados pela prefeitura aparece como um dos sócios da empresa, o que seria proibido por lei.

A empresa tem nove contratos em andamento com a prefeitura de Bento Gonçalves desde março de 2020, todos realizados em caráter emergencial, devido à pandemia da Covid-19, e com dispensa de licitação. No total, os contratos rendem R$ 8.037.755,90 para a empresa. Em consulta ao Portal da Transparência, a relação de contratação entre a empresa e a prefeitura existe desde 2019.

A denúncia recebida em outubro pela promotoria revela que o médico Rafael Massutti, contratado em janeiro de 2019 pela prefeitura, e que hoje exerce a função de coordenador médico da UPA, com um salário de cerca de R$ 14 mil mensais, seria também um dos sócios da empresa contratada, o que estaria em desacordo ao que preconiza a legislação que rege as licitações. Em setembro, o Observatório Social remeteu à prefeitura um ofício em que solicitava esclarecimentos a respeito do fato. De acordo com a Lei 8.666, conhecida como lei das licitações, é vedada a participação de servidor ou dirigente de órgão responsável pela contratação de licitações ou contratações pelo poder público.

Ainda em setembro, em ofício datado do dia 23 e assinado pelo secretário adjunto de Saúde, Gilberto de Souza Junior, e pela assessora jurídica Camila Facchinelli, a prefeitura respondeu ao Observatório informando que a empresa teria retirado o nome do servidor do quadro de sócios e associados. Em uma consulta ao quadro de associados da Med Saúde realizada esta semana, a reportagem confirmou que o nome de Massutti não se encontra mais entre os sócios da empresa.

Em outro ofício, também remetido ao Observatório Social no dia 23 de setembro, mas desta vez assinado pelo Procurador-Geral do Município, Sidigrei Spassini, a prefeitura afirma que o nome de Massutti não constava entre os sócios da Med Saúde na data da contratação, e garante que não foi informada pela empresa da alteração no quadro de associados. No mesmo documento, Spassini admite que a presença de um servidor público no quadro de sócios de empresa contratada pelo município é irregular, e que a prefeitura tomaria as devidas providências para regularizar a situação.

No final de outubro, no dia 22, o MP oficiou a prefeitura para que prestasse esclarecimentos do andamento da situação até os primeiros dias de novembro, o que não ocorreu. No dia 26, o MP reiterou a solicitação e, no dia 5 de novembro, prorrogou o prazo para as diligências. Seis dias depois, no dia 11, a promotoria abriu novo prazo de 10 dias para que a prefeitura se manifestasse, o que efetivamente ocorreu no dia 19. Em um comunicado de poucas linhas, a prefeitura encaminhou documentação e afirmou simplesmente que já havia respondido ao Observatório Social. De acordo com a documentação, a prefeitura notificou a empresa das irregularidades no dia 21 de outubro, que respondeu afirmando que Massutti não era sócio da empresa na época das contratações, em 2019 e no início de 2020, sendo que o médico só teria passado a integrar a sociedade em março deste ano. Além disso, a empresa arrolou jurisprudência justificando que, devido à natureza da sociedade, a presença de Massutti entre os sócios não configuraria irregularidade. Além disso, o documento, datado de 4 de novembro e assinado por Miriam de Oliveira, afirma que o médico teria sido excluído do quadro de associados. O MP confirmou o recebimento da documentação no dia 27 de novembro, mas ainda não se manifestou sobre o caso.

Superfaturamento

A contratação da MedSaúde pela prefeitura já havia sido alvo de críticas em Bento Gonçalves. No enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, a prefeitura contratou a empresa com dispensa de licitação para a terceirização de serviços de até 10 enfermeiros e de até 30 técnicos de enfermagem. O valor total do contrato, assinado em 23 de março, alcançaria R$ 2,8 milhões ao longo de 180 dias de vigência. As contratações com dispensa de licitação são autorizadas na lei federal 13.979 de 2020, que traça medidas de atuação da saúde pública diante da Covid-19. O que chamou atenção é que os salários pagos pela gestão pública de Bento Gonçalves estão acima dos praticados habitualmente. Neste contrato, a empresa receberia R$ 19,4 mil ao mês por enfermeiro contratado. O técnico em enfermagem demandaria o repasse de R$ 9,4 mil mensais à Med Saúde por profissional. O contrato entre a prefeitura e a prestadora de serviço não define a carga horária dos trabalhadores. A proposta de orçamento e o Diário Oficial também foram omissos neste item. No Portal Transparência da prefeitura de Bento Gonçalves, é possível verificar que a maioria dos técnicos em enfermagem concursados recebem salários brutos entre R$ 2,1 mil e R$ 3,5 mil, menos da metade do valor pago aos terceirizados na pandemia. Já os enfermeiros, igualmente no Portal Transparência do município, têm remunerações totais que, em maioria, variam entre R$ 5 mil e R$ 11 mil, chegando a patamares de vencimentos quatro vezes menores do que os pagos aos profissionais da terceirizada. As discrepâncias chegaram à Câmara de Vereadores, que solicitou explicações para o caso.

Na época, o então secretário da Saúde de Bento Gonçalves, hoje prefeito eleito e com diploma cassado em primeiro instância, Diogo Segabinazzi Siqueira, informou que os valores do contrato foram reduzidos no dia 9 de abril de 2020. Os salários dos técnicos em enfermagem passaram de 9,4 mil ao mês para R$ 7,1 mil. Os enfermeiros tiveram redução de R$ 19,4 mil para R$ 13,8 mil, ainda em patamares superiores aos dos concursados municipais.

No link abaixo é possível ter acesso aos documentos que esta reportagem foi baseada:

DOCS-MEDSAUDE