Opinião

O Julgamento do Século

Foto: Arquivo Leouve
Foto: Arquivo Leouve

Eu estava em Los Angeles, em 1995, a passeio, quando os Estados Unidos estavam em polvorosa: em curso, o chamado “Julgamento do Século”: O Povo contra O. J. Simpson.

No banco dos réus, estava sentado Orenthal James Simpon, uma celebridade do Futebol Norte-Americano, acusado de um duplo homicídio. Não se comentava outra coisa na imprensa escrita e falada. Los Angeles estava incendiada. Os crimes ocorreram em 1994 e O. J. Simpson foi acusado do assassinato de sua ex-mulher Nicole Brown e de seu amigo Ronald Goldman.

Dias após as mortes de Nicole e Ronald, o “Astro” foi preso depois que, em 17 de junho de 1994, em plena abertura da Copa do Mundo FIFA (quem lembra?) e do quinto jogo das finais da NBA entre New York Knicks e Houston Rockets, protagonizou (ele também era ator, lembra?) cena inusitada: Simpson fugiu, após deixar com um amigo uma carta em que anunciava que cometeria o suicídio.

Em meio à fuga, foi perseguido pela Polícia por 96 quilômetros. O.J. se trancou durante horas em seu carro, com uma arma na mão, ameaçando se matar. Entrementes, a fuga cinematográfica era transmitida pela TV e, é claro, tratando-se de encenação (porque esteve muito longe de atentar contra a própria vida), em seguida, ele se entregou.

Levado a julgamento – de durou mais de ano -, O.J. Simpson foi absolvido, depois de a Defesa suscitar, como tese defensiva, uma enorme conspiração para condenar uma grande celebridade negra naquela país, Sim, a Defesa sustentou que todos os indícios (ou evidências, como eles chamam por lá) de prova foram “plantadas” (enxertados) pela Polícia de Los Angeles (que os Defensores afirmavam racista), para incriminar o Astro do Futebol Americano, pois odiava negros.

Toda movimentação da defesa tirou, estrategicamente, de foco, a morte de dois inocentes e a desconsideração da própria prova dos autos, pois logrou deslocar o debate para a importante questão racial (mas periférica) e funcionou. Tanto que o réu foi absolvido.

Não assisti ao julgamento. Estava passeando. Ademais, o processo tinha 50.150 páginas. Ao logo de seu desenvolvimento, foram ouvidas 133 testemunhas; dizem que a palavra “sangue” foi citada pelo menos 15 mil vezes no seu curso. Houve em torno de 16 mil objeções e, aproximadamente, 20 milhões de pessoas o assistiram pela TV. O anúncio do veredicto superou a audiência de eventos como a chegada do homem à lua e o funeral de John F. Kennedy. Também dizem que a Promotora Márcia Clark se expressou em 37 mil palavras.

Não acompanhei diretamente o caso. Vi lances do julgamento mostrados da TV.  Li o livro de Jeffrey Toobin (“O Povo contra O J Simpson: História do Julgamento Americano”) e assisti à série (o livro é melhor), e sempre estive convencida de que aquilo não foi propriamente um julgamento: foi um espetáculo. Mantido o foco nas provas, o réu jamais poderia ter sido absolvido. Tanto é que condenado no Júri Civil, onde a questão racial não estava em causa, mas o dever de indenizar pelo ato de matar, ou seja, a mesma matéria de fundo.

Não consigo entender como um jurado convenceu ao outro, para obter a unanimidade dos votos (já que, no sistema américa, não há incomunicabilidade dos jurados entre si e a decisão reclama unanimidade dos votos), depois de 37 mil palavras ditas só pela Promotora Clarck, quando havia posicionamentos disparares dos jurados no julgamento criminal de O.J. Simpson. Também não me entra na cabeça como os jurados caíram no “Conto da Sereia”, diante de tantas evidências.

Lado outro, se aquilo não foi justiça (como eu sinto que não foi; tanto é que até hoje não apareceu nenhuma mínimo de prova que conduzisse a outro culpado e a outro motivo),  nem por isso resta descaracterizado o lace de genialidade pensado e levado a efeito pelos advogados Johnnie Cochran e Robert Shapiro, notadamente, em provocar a Acusação para pedir que O.J. vestisse as luvas usadas na prática do crime (onde havia sangue), quando perceberam que ele teria cerca dificuldade em fazê-lo, porque usava, concomitantemente, uma de látex.

Durante a leitura do livro, a assistência da série e estes escritos, pensei no caso Caso Daut. Por que será?