Comportamento

Conheça a história do sorveteiro que alegra o Centro de Caxias do Sul há 19 anos

Tiago Goulart conheceu a esposa por causa de um sorvete e atua quase duas décadas como sorveteiro

A alegria de atender bem virou até um álbum no Facebook com os clientes
A alegria de atender bem virou até um álbum no Facebook com os clientes

A partir desta segunda-feira (28), o Portal Leouve inicia a série de reportagens intitulada “Figuras do Dia a Dia”, visando mostrar exemplos de moradores que, independente do ramo de atuação ou trabalho, fazem a diferença e passam, por vezes, despercebidos. O primeiro convidado é um sorveteiro que, orgulhoso, é figura carimbada em Caxias do Sul.

Sorvete, patrão? Sorvete, moça? Com estes jargões, o sorveteiro Tiago Goulart, 38 anos, ganha a atenção de quem passa pela Avenida Júlio de Castilhos, no Centro da cidade. Carisma, alegria e bom atendimento, fazem com que os 15 anos de atendimento ao público na Praça Dante Alighieri pareçam muito mais. Ah, sem esquecer os quatro anos trabalhando em outros pontos, mas também vendendo sorvete.

Mas, e aí? É fácil vender sorvete em uma cidade onde as quatro estações do ano surgem no mesmo dia? E no frio do inverno? E se um sorvete de abacaxi, vendido apenas por Tiago há uma década, fosse motivo para um casamento? Acredite, cada pessoa tem uma história e carrega dentro de si exemplos de superação e motivação.

Com um sonho desde de criança de ser professor, Goulart não esconde que se pudesse voltar no tempo, seria um docente. Ensinar, alegrar, preparar o futuro, são aspectos que correm nas veias do sorveteiro que, um dia, quem passou pela quadra da Júlio entre a Dr. Montaury e Marquês do Herval, já viu. Ou, até mesmo, já tomou um sorvete vendido por ele.

E de onde vêm a motivação diária para ser sorveteiro?

“Eu sempre procurei ser o melhor e fazer com carinho independente de qual função que me fosse designada. Se você for um faxineiro, que seja o melhor faxineiro. Se você for um vendedor de sorvete, que seja o melhor sorveteiro. Adoro ver as crianças felizes. Atendi crianças que hoje passam por mim adultas e ainda se recordam de mim. Muitas falam: eu tomava sorvete com você quando era criança. Fico muito feliz por isso”, diz Tiago.

Quem fica um tempo em um ponto central de Caxias, vê muitas coisas. Algumas, inusitadas. Mas, um sorvete de abacaxi, há 10 anos, foi o cupido que uniu Tiago e a, hoje esposa, Evelyn Goulart.

“Eu conheci minha esposa por causa do sorvete de abacaxi que eu vendia. Era o único na cidade que saía um sorvete listradinho. Há 10 anos, ela sempre vinha tomar o sorvete de abacaxi. Namoramos, não deu certo, e ela foi para São Paulo e perdemos o contato. Era época do Orkut ainda. Há oito anos, ela voltou e me encontrou novamente no mesmo local, isso facilitou o reencontro”, conta sorridente o sorveteiro. “A gente casou faz cinco anos. Temos um filho, o Miguel, de três anos, e mais duas meninas, a Vitória e a Bruna, de nove e oito anos, de um antigo relacionamento. Minha esposa abraçou a causa. Elas chamam a minha mulher de mãe e tudo”.

Quem mora em Caxias sabe que o inverno é rigoroso. Seria algo impossível vender sorvete na estação mais fria do ano?

“É bem complicado. As horas não passam. As vezes você fica o dia inteiro e vende apenas um ou dois sorvetes. Além de ser sorveteiro, sou enxadrista (jogador de xadrez). Ensinei minhas filhas a jogarem com quatro anos de idade e são campeãs em diversos torneios. Só trabalho no sorvete à tarde e isso me permite dar aulas em escolas e instituições”, afirma.

É possível sobreviver em Caxias do Sul apenas com a venda de sorvetes?

“Os custos de espaço, aluguel, são altos. A venda de sorvete baixou muito de quatro anos pra cá. Os produtos aumentaram, matéria-prima muito alta, e não conseguimos repassar isso no valor final. Aqui em Caxias não teria como sobreviver só com o sorvete. A nossa venda dura três, quatro meses, dependendo do verão. O lucro desse período ajuda manter a cafeteria o resto ano. As máquinas dão muita manutenção e é difícil ter um técnico especializado. Eu conserto as máquinas quando precisa. Como tenho experiência, eu arrumo. Algumas coisas não dá. Quatro anos atrás, chegava de manhã e não parava de vender. Era fila e fila. Hoje, a gente se esforça para vender 30% do que vendia antigamente. Teve influência da crise e os valores de custo não baixaram. Também teve a descentralização. Não tem mais tanto movimento no Centro como antigamente. Muita gente vai pro shopping tomar sorvete. Hoje temos vários quiosques, também”, salienta Tiago.

O povo de Caxias do Sul é mais reservado?

“O povo é mais fechado sim. Mas, pela própria cultura. O povo é mais reservado, mas estou acostumado e não encaro isso de forma negativa. Tive uma experiência em Londrina, no Paraná, e quando tu vais para uma outra região, isso fica mais visível. Não é algo negativo, é a cultura caxiense. Eu sou natural daqui. É bem tranquilo trabalhar com o público. Temos que estar preparados para todo tipo de cliente, inclusive os que não gostam que você ofereça sorvete (risos). Temos que respeitar a decisão das pessoas. Temos que respeitar o público. Em outra região, eu descobri o quanto eu amo meu povo, minha cultura. Me identifico com as pessoas daqui. Valorizo muito mais a minha cidade depois dessa experiência. Meu patrão é mineiro e ele sempre diz que gaúcho se dá muito bem com mineiro, por isso está há 15 anos aqui. A gente é família mesmo”, afirma.

A alegria de atender bem virou até um álbum no Facebook com os clientes

Sente orgulho da profissão? Qual profissão gostaria de seguir caso não fosse sorveteiro?

“Eu sinto orgulho de ser reconhecido pelas pessoas. Mas, se eu pudesse voltar no tempo, eu seria professor”, diz Goulart.

Tiago Goulart é um dos exemplos de trabalhadores que sentem orgulho da profissão, mesmo que o sonho fosse seguir por outros caminhos. Inclusive, o sorveteiro deixa uma dica: “O segredo para atender bem é empatia, se colocar no lugar das pessoas. Atender suas necessidades com carinho como você gostaria de ser atendido”.

O exemplo de Tiago é apenas um entre tantos caxienses que se destacam no que fazem.

Um dos “amigos do sorveteiro” é o locutor da Rádio Viva, Paulinho das Quebradas (Foto: Arquivo Pessoal)