Opinião

Até quando? #JanaúbaPresente

Até quando? #JanaúbaPresente

Foi-se o tempo em que podíamos comemorar em jornais e revistas fatos positivos para as pessoas mais pobres de nosso país. Ouvíamos histórias sobre como a água chegou em suas casas, víamos cenas de famílias inteiras chorando de alegria por terem luz. Nos emocionávamos com relatos de jovens que jamais tiveram uma oportunidade, que hoje conseguiram se formar, tem possibilidade de futuro e serão cidadãos melhores. Mas, principalmente, comemorávamos os índices de mortalidade infantil que despencaram no Brasil por conta de políticas públicas que proporcionaram às nossas crianças comida, educação e saúde.

Hoje somos obrigados a lamentar toda semana algum tipo de tragédia que se abate sobre o país de forma brutal.

Falo de Janaúba, cidade que jamais será a mesma depois do ocorrido com as crianças naquela creche.

Muitas pessoas não conseguem entender como isso aconteceu. Como foi possível que se chegasse a esse ponto sem que ninguém visse as nuvens escuras se formando? É quase como o anúncio de furacão ou tsunami para o qual ninguém dá a mínima atenção.

Por trás dessa absurda situação, encontramos a invisibilidade dos problemas mentais no país. Enquanto famílias inteiras (das crianças, da professora e do vigilante) são dilaceradas por eventos como esse, nossa sociedade se comporta como se não fosse com ela, como se não existissem doenças psiquiátricas a serem tratadas e como se fosse tudo uma questão de caráter.

É mais fácil esconder que essas questões existem do que tratá-las. Reconhecer que elas existem significa reconhecer que temos responsabilidades na detecção precoce de sintomas e sinais. Significa reconhecer que precisamos de professores, pais, mães, juízes, promotores (enfim, todos) preparados e capacitados a tomar atitudes em situações como essas.

No entanto, fizemos de conta que não é conosco. Responsabilizamos o outro e esquecemos de nos responsabilizar.

Experimente interditar um esquizofrênico. É luta para uma vida toda, por que o judiciário não reconhece distúrbios mentais, prefere ficar na zona de conforto e apontar maldade, perversão, premeditação e crueldade. Apontar o bem e o mal, num maniqueísmo surreal, é mais simples. Os médicos podem repetir mil vezes que a pessoa tem problemas para gerir suas vidas que de nada adianta. Repetem incessantemente a superficialidade agravada pela tal meritocracia: é uma opção pessoal ser bom ou mau.

Participe de um Conselho de Classe em uma escola e você verá professores acusando alunos de serem vagabundos, mal-educados e maus, sem sequer perceberem os sinais evidentes de algum transtorno mental.

Janaúba tornou o dia das crianças mais triste. É mais uma das tragédias do cotidiano que acontecem para nos lembrar de que devemos estar embuídos do espírito de solidariedade e ajuda para com os outros, ou nos transformaremos numa imitação norte-americana barata.

Nesse dia 12 de outubro, em que nossas famílias estão envolvidas com suas crianças, devemos olhar para elas e nos comprometer a protegê-las. Sem fundamentalismos, sem obscurantismos, mas com a compreensão de que precisamos estar atentos aos sinais que elas podem manifestar ao longo das suas vidas. Isso fará com que nossas crianças possam ser protegidas delas mesmas e dos outros.

Minha solidariedade às famílias das crianças de Janaúba, da professora Heley e também à família de Damião, que tenho certeza sofre tanto quanto as outras por não ter tido a oportunidade de evitar essa catástrofe típica da sociedade moderna.