No quinto episódio da série Desafio e Preconceito, o Portal Leouve apresenta a história de um casal, que como qualquer outro, se sustenta na base da confiança, do companheirismo e da força para superar todos os obstáculos, mas, com um desafio extra, o preconceito por se tratar de um casal homossexual.
Nossos entrevistados do mês de maio são Miguel e Diogo, juntos há mais de quatro anos, eles conversaram com a nossa equipe sobre sua história, a trajetória antes de se conhecerem, nos contaram um pouco sobre o dia a dia, as situações em que vivenciam o preconceito e como lidam com ele.
História
Miguel veio do interior de Caxias do Sul quando ainda era criança, acompanhado de sua mãe e irmã. Ele teve uma infância e uma pré-adolescência normal como era para ser. Ainda muito jovem, com 6 anos de idade, ele teve sua primeira paixão de escola, um menino da sua turma, mas como era uma coisa inocente, de criança, ele não soube identificar o que aquilo significava. Durante anos ele viveu a vida que aprendeu como correta, namorando meninas, se esforçando para se encaixar com os outros meninos, mas ele sempre soube que aquele não era quem ele realmente era.
Mas quando ele completou 16 anos, as coisas começaram a mudar de figura. Ele entrou em depressão profunda, que o machucou muito, física e mentalmente, deixando marcas que vão ficar para sempre. Após frequentar psicólogos e psiquiatras, tomar remédios e lutar com todas as forças contra a doença, ele acabou encontrando ajuda em um lugar que o salvou, mas, ao mesmo tempo, o reprimiu, a igreja.
Na igreja aprendeu que ser homossexual não era uma opção e que ele deveria seguir sua vida da forma que havia sido ensinado. Assim, aos 19 anos, ele começou a namorar uma garota de quem gostava e os dois acabaram se casando. Três anos depois o relacionamento chegou ao fim, nesse momento ele viu a chance de se reencontrar e ser feliz.
Quando assumiu sua sexualidade, foi expulso de casa pela mãe, que na época não o aceitava, mas, pouco tempo depois, acabou voltando. Mesmo tendo sido aceito de volta, ele afirma que a mãe “Sempre me respeitou, mas nunca me aceitou”. Hoje, ele diz que, após conhecer o Diogo e sua família, sua mãe mudou totalmente a forma de pensar e o apoia 100%.
Já Diogo teve uma realidade um pouco diferente. Ele sempre viveu com o pai, a mãe e a irmã e foi educado a vida toda para ser o homem da casa, trabalhar, estudar, ser forte. Durante toda a vida ele soube que gostava de meninos, mas nunca teve a coragem de contar aos pais. Ele sempre se sentiu errado, culpado, por sair com meninas e fingir que estava tudo bem. Então, aos 14 anos, ele beijou um menino, e soube ali que não podia mais seguir fingindo.
Com receio de contar ao pai, ele recorreu à mãe, que o levou a uma psicóloga. E foi essa psicóloga que o aconselhou a sair de casa e seguir sua vida da forma que achasse melhor. Assim, quando tinha 15 anos, ele fez suas malas e se mudou para Farroupilha, com um emprego como menor aprendiz de manhã, alguns bicos durante a tarde e estudando à noite, ele se manteve sozinho durante um período de tempo.
Um dia ele voltou para casa, e ao contar seus motivos de ir embora ao pai, recebeu uma surpresa, seu total apoio. O pai afirmou que enquanto o filho estivesse feliz, ele estaria feliz. Desde então, o genitor vêm sendo um paizão, não apenas para Diogo, mas também para Miguel.
Miguel e Diogo seguiram suas vidas paralelamente, até que em 2015 eles se conheceram e Miguel relatou saber imediatamente que Diogo era a pessoa certa. Um mês depois eles começaram a se falar, Miguel foi até a casa onde Diogo morava com os pais, eles se beijaram pela primeira vez, e desde então não passaram um dia longe um do outro. No segundo dia teve o pedido de namoro, em duas semanas a troca das alianças de compromisso e dai em diante eles começaram a construir sua família e seu futuro juntos.
Miguel, vocês são casados a quatro anos, como você definiria a rotina de vocês no dia a dia, como família?
“Nós temos uma rotina normal, como de qualquer outra família. Acordar cedo, trabalhar, estudar, pagar as contas, manter a casa organizada e cuidar dos nossos cachorros. Aqui em casa quem cuida das contas é o Diogo, ele que sabe o que entra e o que sai, quanto poupamos e quanto gastamos, mantém tudo organizado. Nós trabalhamos para a mesma rede de lojas, então vamos para o trabalho juntos todos os dias. O Diogo é gerente de uma filial e eu sou visual merchandising de sete filiais. Trabalhamos bastante.”
E em relação ao futuro, quais são seus sonhos e objetivos?
“Nós já conquistamos muitas coisas juntos. Compramos uma moto, um carro, temos nossa família com nossos três cachorrinhos. Agora o objetivo é comprar uma casa própria, pois já pagamos aluguel há quatro anos. O Diogo está estudando inglês e planejando fazer um intercâmbio, e depois disso a gente vai pensar no sonho mais alto, que é morar no exterior.”
Miguel, você comentou durante a entrevista que o pai do Diogo é uma figura paterna para você. O que você tem a dizer sobre o seu pai?
“Bem, eu me mudei muito novo do interior com a minha mãe e a minha irmã, mas meu pai ficou. Ele é bem afastado de tudo, não tem redes sociais, laça, cuida do campo, é o retrato de pessoa do interior. Eu nunca vi a necessidade de chegar pra ele e falar ‘Pai, eu sou gay’, porque não acho isso uma atitude bacana. Da mesma forma que um hétero não anda falando ‘Eu sou hétero’, não devemos falar ‘Eu sou gay’, como se devêssemos nos explicar. É uma coisa natural, as pessoas percebem, como qualquer outra característica. Meu pai conhece o Diogo, e obviamente pessoas já contaram pra ele que eu sou gay, mas nunca tocamos no assunto.”
E em relação ao preconceito, como ele aparece no dia a dia e como vocês lidam com ele?
“O preconceito é uma coisa com a qual devemos lutar diariamente e, infelizmente, para o resto das nossas vidas, então criamos uma resistência a ele, não nos abalamos mais por pouco. Os olhares e os murmúrios sempre vão existir, faz parte. Há casos que me marcaram muito, por exemplo, uma noite resolvemos variar um pouco e ir em uma casa noturna que tocava sertanejo. Nós somos muito discretos, então não nos beijamos, nem sequer dançamos juntos, só curtimos o ambiente. Nesse dia em questão, quando os homens perceberam que éramos gays, começaram a estufar o peito, empurrar a gente para os lados, como se quisessem dizer que ali não era nosso lugar, sabe? Outro dia fui me despedir do Diogo, com um beijo rápido na bochecha, em frente a um colégio particular no centro da cidade, e um menino saiu na janela e nos xingou de viados e outros nomes muito piores, foi o fim. Outra coisa que muita gente não vê é o preconceito no marketing, por exemplo, no dia dos namorados todos usam a imagem de um menino e de uma menina, e como alguém que trabalha com isso, eu sinto muito a falta da representatividade. Poxa, existem muitos casais gays, e se você tiver clientes gays? Não custa nada representar a todos.”
Se vocês tivessem que deixar uma mensagem para as pessoas, sobre o preconceito, sobre empatia, qual seria?
“O principal é sempre ter respeito. Vocês não precisam achar certo, apoiar ou aceitar, mas precisam ter respeito. Não só pelos gays, por todos. Os negros, os deficientes, os gordos, os magros, todos merecem respeito da mesma forma. Não façam ao próximo o que vocês não gostariam que fizessem com vocês.”
Uma família como qualquer outra, que passa por altos e baixos, luta todos os dias por uma vida melhor e por um mundo melhor. Essa é apenas mais uma história inspiradora, formada por meio do amor incondicional, entre pais e filhos, e entre um casal, que apesar de todo preconceito, permanece forte. Que sejamos todos assim, movidos pelo amor, acima de todas as outras coisas.