Caxias do Sul

Desafio e Preconceito: serenatas que trazem paz para uma vida com alzheimer

arquivo pessoal
arquivo pessoal

No segundo episódio da série Desafio e Preconceito, o Portal Leouve apresenta a história da família formada por Lúcio Yanel, 73 anos, Sueli de Fátima Teixeira, 62, e o filho deles, Pedro Giles, de 24 anos. A rotina de Pedro e Lúcio é um tanto quanto complicada desde o dia em que Sueli foi diagnosticada com Alzheimer precoce em 2008.

A partir daí, a vida tomou novos rumos e propôs desafios a pai e filho que se revesam nos cuidados com a mãe. Além da atenção rotineira, momentos de afeto também não são ignorados. O músico, Lúcio Yanel, faz serenatas todos os dias para Sueli. Mas, o que é o Alzheimer precoce?

O Alzheimer é considerado precoce quando é diagnosticado antes dos 65 anos de idade e, neste caso, ele é sempre hereditário. Seus principais sintomas podem incluir falhas da memória, confusão mental ou irritabilidade e agressividade, surgindo muitas vezes por volta dos 30 anos de idade. O diagnóstico precoce é importante, pois quando tratada desde cedo, mais facilmente a doença consegue ser controlada. Quando os primeiros sintomas surgem, são muitas vezes confundidos com estresse e distração e, por isso, é muito importante ficar atento, especialmente quando existe histórico familiar da doença.

História

Juntos há 25 anos, o casal se conheceu em Porto Alegre, quando Lúcio Yanel esteve no restaurante em que Sueli trabalhava. Os dois eram viúvos e tinham filhos de outros casamentos. A vida foi seguindo e, em 1994, veio o resultado de tamanho amor: Pedro.

Ele conta que a mãe sempre foi cozinheira e realizou os afazeres de casa. “Ela sempre ficou em casa, cuidando de mim e foi justamente ai que percebi que as coisas estavam mudando. Ela foi esquecendo algumas receitas e eu e o pai notamos algo diferente nela.”

O tempo foi passando e os sintomas aumentando. Em 2008, veio o diagnóstico de Alzheimer. “No início, para mim, era tudo normal. Eu tinha 14 anos na época e não sabia o que realmente estava por vir”.

Três anos se passaram. Pedro e Yanel foram percebendo a gravidade desta doença. “Faz quatro anos que a minha ficha caiu. Um dia ela foi para o banho e demorava muito, então perguntei se estava tudo bem. Ela respondeu que sim, mas a mãe estava perdida, não sabia o que fazer. Foi a primeira vez que ajudei ela em momentos íntimos, pois até então era o pai que fazia. A partir daí as coisas só pioraram. Hoje, ela só fica dentro de casa deitada em uma cama hospitalar, recebendo comida na boca.”

Pedro, você é uma pessoa jovem, como você lida com esta rotina dentro de casa?

“Eu posso fazer as coisas, como ir à praia, festas e tal. Mas sempre tenho que pensar em casa antes, pois a qualquer momento pode acontecer algo e eu tenho que voltar para casa. A última vez que isto aconteceu foi na semana passada. Eu estava saindo com amigos e recebi uma ligação do meu pai pedindo ajuda, voltei na hora. Não é nenhum sacrifício, faço por amor e com orgulho.”

Como você vê esta atitude do seu pai de largar tudo e ficar com a esposa?

“Eu sei tudo que ela fez por nós. Meu pai, como é músico, ele vivia viajando. Hoje, ele já não consegue mais fazer muitas viagens, pois fica cuidando dela. Eles sempre se amaram. Uma vez o pai mesmo me disse, ‘não vou largar, agora vamos até o fim’ e é o que está acontecendo. Ela está em estágio avançado da doença, muita gente colocaria ela em um asilo ou casa de cuidados, não quero julgar que tem esta atitude, mas para o pai esta não é uma opção. O amor não se explica, o amor se sente e ele realmente ama ela. E eu sinto isso. Inclusive, todos os dias no final da tarde, o pai pega o violão para estudar e é neste horário que a mãe está mais calma na cama. Então, eu levo ela para o lado de fora de casa para pegar sol ou até a sala de casa. O pai fica tocando do lado dela. Não sei se ela entende, mas é um gesto que, com certeza, faz ela se sentir bem. Quando eu falo que é todos os dias, é verdade, hoje vou chegar em casa do trabalho e o pai vai estar lá, tocando para ela.”

Como as pessoas de fora do seu ciclo familiar veem a situação e a rotina de vocês?

“Nós cuidamos dela. As pessoas de fora querem ajudar, mas muitas vezes não sabem do que se trata. Já escutei de pessoas, quando contei que minha mãe tem Alzheimer, ‘fica tranquilo logo passa’, mas não é assim. Esta é uma doença degenerativa, que não tem cura. As pessoas sempre tentam ajudar e isto é uma parte positiva. Vizinhos e amigos sempre perguntam se precisa de ajuda. O que falta mesmo é a consciência das pessoas sobre o que é a doença. Nunca passei por situações onde as pessoas me julgaram, como se eu fosse um coitadinho, mas sempre que não posso ir a algum compromisso, fica aquela coisa, ‘ah ele está se fazendo’ (risos). Isso é coisa de quem não entende, mas nunca aconteceu diretamente comigo.”

Pedro, hoje você fala com naturalidade sobre a situação. Sabendo disso, como é a incerteza de cada dia ser uma nova superação?

“Vou ser sincero, todo dia acordo desanimado. Isto porque eu sei que a situação em casa é a mesma, quando não é pior. A gente tenta se manter forte, eu e o pai, nos ajudamos. Mesmo assim passamos por momentos de estresse em casa e discutimos, afinal são duas idades bem distantes. A carga é muito pesada. Eu evito mostrar para as pessoas que estou triste, não se isso é bom ou é ruim, mas eu sempre evito. As vezes não tem como esconder, mas acontece.”

Uma rotina, uma família, três vidas alteradas por uma doença degenerativa. Mas, além disso, o que há em comum é o amor e a comunhão de pai e filho para tentar alegrar os dias mais tenebrosos de Sueli. Uma serenata, um remédio para a alma em acordes de violão. Um desafio diário de superação. Um abraço. Um carinho. União. Mesmo em momentos que tudo pareça ir por água abaixo, há sempre a motivação de não deixar o amor de filho para mãe, de pai para esposa, se apagar. Uma lição de vida em família

fotos: arquivo pessoal Pedro Giles