A torta e a indigestão

Hoje, Caxias do Sul está de aniversário, e os 127 anos de história da cidade merecem todas as nossas homenagens e toda a população está de parabéns.

Mas se, como dizem, tudo que se deve desejar a um aniversariante é saúde, porque o resto a gente corre atrás, então vai ser preciso desejar com muita força, porque a verdade é que não há muito pra se comemorar.

Porque na hora de cortar a torta de 127 metros e sorrir pra fotografia, vai ter gente esperando por 30 horas pra ser atendido no Postão.

Porque na hora de servir o primeiro pedaço da torta no Paço Municipal, a UPA da Zona Norte ainda vai estar fechada, e os médicos ainda vão estar em greve.

E o que eu quero saber é quem vai cantar parabéns pro descaso que faz a greve dos médicos passar dos 60 dias sem uma solução à vista?

Quem é que vai cantar parabéns pra falta de atendimento que faz os casos se agravarem como o do menino de 13 anos que teve o futuro amputado porque o atendimento médico demorou?

E eu quero saber quem é que vai aplaudir um governo ensimesmado que vira as costas pra qualquer ajuda, como fez ontem o governo de Daniel Guerra com a OAB?

E ainda acha que vai ganhar de presente uma solução pelo conflito?

Pois parece mesmo que a única solução possível vai ter que vir da Justiça.

E então, como é que eu vou comemorar o aniversário da cidade quando as pessoas estão correndo riscos porque um governo em pé de guerra acha que é maior que a cidade e que por isso mesmo não precisa dialogar com ninguém?

A verdade é que, depois de seis meses de problemas agravados, já é hora de tirar o chapéu de festa, cair na real e perceber que é preciso apresentar uma solução definitiva pra saúde da cidade, ainda que ela passe pela contatação emergencial de médicos ou pela terceirização.

Porque não adiantam mais medidas paliativas, não adianta mais contratar 20 médicos quando 50 vão embora.

Porque é a população que padece, porque é no cidadão que a porta fechada da saúde dói, porque é no povo que a surdez do governo ao mesmo tempo grita e cala mais fundo.

Porque essa, definitivamente, não é a festa que queremos, e essa torta, infelizmente, vai nos dar indigestão.