Geral

Sobre responsabilidade social

Se você gosta de mesa farta, com comida e bebida de qualidade, viagens, enfim, vida boa, então você é igual a mim.

Mas, se você não sente nada em seu coração quando observa que, em seu entorno, a imensa maioria das pessoas não tem nada disso nem condições de tê-lo; que sobrevive com quase nada e que muitos, muitos mesmos, mal têm o que comer, nossas semelhanças param por aí, porque isso me toca profundamente.

Orson Welles disse, certa vez, que nós nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos. Que somente por meio do amor e da amizade é que podemos criar a ilusão, por um momento, de que não estamos sós.

Eu não concordo com ele de jeito nenhum, porque faço parte de um grupo de pensadores que não concebem que um ser verdadeiramente humano, nessa perspectiva individual de um homem só, possa se realizar como tal; isto é, não acredito que, sozinho, o homem consiga viver a plenitude de sua humanidade.

Também não compactuo com a ideia de que nascemos sós. Nascemos necessariamente em um estrato de vida social, da qual, aliás, depende a nossa própria chegada a este mundo. E somos seres mais dependentes dessa sociedade do que gostaríamos de admitir, pois não somos capazes sequer de sobreviver sem os cuidados de outros.

Não há “Tarzans” nessa selva; Robinson Crusoé é uma ficção romanceada de Daniel Dafoe; o Náufrago é produção cinematográfica. E, para não deixar passar em branco, Crusoé precisou do “Sexta-Feira”, ao passo que o Náfrago, do “Wilson” (uma bola desenhada como uma cabeça humana). Se é assim, ou seja, se dependemos uns dos outros (ainda que, de alguns, mais afetivamente), ainda que tenhamos mesa farta e vida boa, temos uma dívida perene para com a humanidade e somos, de algum modo, responsáveis pelo seu destino.

E creio vivamente que essa dependência não se trata de uma ilusão que criamos, mas da própria condição humana. Que nascemos dependentes uns dos outros; que não nascemos só para nós mesmos e que a vida sequer faz sentido no isolamento, muito menos sem amor e amizade.

Porém, ser responsável pelo outro não se confunde com o dever de nos substituir na responsabilidade que cada um tem por conformar os próprios fins ou o seu projeto de vida. Cada um tem, em primeiro lugar, responsabilidade para consigo próprio e por aqueles que trouxe ao mundo.

O que quero dizer com isso é que a nossa responsabilidade por cada um, nos vários estratos de nossa vida social (família, comunidade, sociedade em geral, Estado e comunidade internacional) só pode ser compreendida como apoio (o que não se confunde com a prática de assistencialismo, nem com qualquer prática de dar o peixe, mas ensinar e a auxiliar a pescar).

Vejo, por isso, com tristeza que o mundo ainda confunde esse viés necessário da vida social com caridade e ainda se mostre tão indiferente com o restante do mundo que não o seu. Será que isso é o de melhor que a humanidade pode ser?

Silvia Regina Becker Pinto

Advogada e Professora. (espaço de coluna cedido à opinião do autor)

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