Geral

Recebeu Auxilio Emergencial Indevidamente?

A imprensa escrita e falada, bem como as redes sociais, noticiaram, no início do mês de junho de 2020, que o Tribunal de Contas da União, o TCU, enviará ao Ministério Público casos de quem recebeu auxílio emergencial sem ter direito. Consta que Plenário do Tribunal teria aprovado o envio de tais casos de fraude ao MP, a fim de que sejam analisados sob o ponto de vista da responsabilidade penal. A Corte Administrativa teria apurado cerca de 620 mil casos que seriam típicos de “irregularidades”, digamos assim, para ficar mais bonito.

Diz meu Orientador do Doutorado, Professor Doutor Paulo Otero, em sua obra “Instituições Políticas e Constitucionais”, que a solidariedade tem suas raízes na dignidade da pessoa humana. Que o Estado, ao promover a justiça social, não cria nada novo: ele apenas reproduz algo que lhe é anterior e superior. Para o referido professor, a solidariedade é o nome da dignidade humana em sociedade, produto da dimensão necessariamente social do homem, humanidade esta que nos designa como uma verdadeira “família humana”. Que tal?

Conjugando o primeiro parágrafo (realidade) com a dogmática (o campo teórico), coloco-me aqui a encontrar uma definição adequada para adjetivar o indivíduo que, quando o Estado busca implementar uma política de justiça social (suficiente ou não, pois não é isso que está aqui em causa), mente nas informações prestadas ao ente público, para ganhar R$ 600,00, tirando, assim, da mesa do outro, a comida de quem realmente precisa do auxílio emergencial.

Todos os adjetivos que eu conheço não cabem neste espaço e são impróprios à publicação. Eu mesma me censuro quanto ao rol que rapidamente listei (mas continuo pensando, ok?). Portanto, decidi fazer apenas uma abordagem jurídica, que me desobriga de “dar nome aos bois”, depois de assistir a reportagens mostrando pessoas que receberam rindo de seu feito, em menosprezo às pessoas vulneráveis e que necessitam desse mínimo existencial.

Pois bem. Quem presta informações falsas em documento público (no caso, site oficial governamental), está praticando um crime de falsidade ideológica (Código Penal, 299).

Mas esse crime, no meu entendimento, fica absorvido pelo estelionato, uma vez que o dolo da pessoa é o de receber a vantagem indevida. O falso é só meio de seu propósito; faz parte do ardil para induzir em erro alguém, a fim de obter uma vantagem indevida (CP, artigo 171). Logo, não dá para punir pelos dois crimes, só pelo delito que o indivíduo teve a intenção de praticar.

Como a vítima direta é a União (e, indiretamente, todos aqueles que estão em situação de vulnerabilidade econômica, devido à Pandemia do Covid19), o estelionato, no caso, é qualificado (CP, art. 171, § 3°). Disso decorre que a pena privativa de liberdade mínima do crime é superior a um ano. O regime é aberto, sim, mas a condenação criminal sempre envolve a perda da primariedade que exasperará, pela reincidência, qualquer situação jurídico penal no futuro.

Não sendo delito de menor potencial ofensivo, nesse estelionato qualificado, não cabe transação penal. Nada de cesta básica para se livrar da ação penal. E, tendo, o delito em referência, pena mínimo superior a um ano, também não cabe proposta de suspensão condicional do processo, com comparecimento mensal e obrigatório em juízo pelo período de prova (mínimo de dois anos); não se ausentar da comarca em que reside por período superior a 30 dias e outras condições apropriadas a cada caso, para, ao final, implementando-se as condições, ver declarada extinta a punibilidade.

Também não adianta devolver o dinheiro, achando que, com isso, se livrará da denúncia ou do processo, porque o arrependimento posterior não afasta o crime. Apenas constitui causa de diminuição de pena.

E aí? O que faz? Aí que o único instituto que o autor ou autora desse crime fará jus, se preenchidos os requisitos subjetivos do artigo 28-A do Código de Processo Penal, será o acordo de não persecução penal.

E nesse momento que, se eu fosse o Procurador da República, os acima adjetivas mentalmente teriam que devolver muitas vezes o valor da vantagem indevida que, ardilosamente, receberam, para não serem processados criminalmente.

Eita. Aqui vejo justiça!!!

Silvia Regina Becker Pinto

Advogada e Professora. (espaço de coluna cedido à opinião do autor)

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