Geral

Não vá confundir o inconfundível

Tenho visto uma confusão enorme em indiciamentos e denúncias de pessoas como incursas no crime de Organização Criminosa, como se todo e qualquer concurso de pessoas, na prática de crimes, pudesse resultar na caracterização do referido delito, um equívoco que pode acarretar desperdício de dinheiro público, com prisões preventivas que, adiante, não resultam em condenações.

E aqui nem estou considerando erros, intencionais ou não, na conduta investigativa, tampouco se alguém é culpado ou não do crime. Estou falando mesmo de adequação do fato ao tipo penal, ou seja, sobre eventual ausência dos elementos típicos da conduta definida como crime.

Observem que o art. 1.º da Lei 12.850/2013 define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado diz, em seu § 1º: “ Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Portanto, como ensina Vicente Grecco Filho (in Comentários à lei de organização criminosa: Lei n. 12.850/2013. São Paulo: Editora Saraiva, 2013), são requisitos imprescindíveis a caracterizar uma criminalidade organizada: (i) a associação (reunião com ânimo associativo, que é diferente de simples concurso de pessoas) de quatro ou mais pessoas; (ii) uma estrutura ordenada que se caracteriza pela divisão de tarefas ainda que informalmente; (iii) que a sua finalidade seja a de obtenção de vantagem de qualquer natureza (portanto, não apenas a econômica) mediante a prática de crimes; e, (iv) que a associação seja voltada para crimes punidos, na pena máxima, com mais de quatro anos ou que os crimes tenham caráter transnacional, independentemente da quantidade da pena.

A doutrina enumera algumas características para que o operador do Direito possa identificar uma organização criminosa que são verdadeiros parâmetros de orientação para a identificação dos requisitos, dentre eles: a) a existência de uma estrutura organizacional, com células relativamente estanques, de modo que uma não tem a identificação dos componentes da outra; b) que haja uma especialização de tarefas, de modo que cada uma exerce uma atividade predominante.

Exemplificativamente, uma organização criminosa voltada para o tráfico ilícito de entorpecentes poderá ser assim entendida se houver uma estrutura colegiada, reunida, e aparelhada, que pode envolver o importador, o transportador, o destilador, o financeiro, o traficante de área e distribuidor e o traficante local, como uma rede, das artérias aos vasos capilares; c) a existência de vários níveis de hierarquia, em que os subordinados nem sempre, ou quase nunca, conhecem a identidade da chefia de dois ou mais escalões superiores ou, ainda, que conheçam a chefia mais elevada não têm contato direto com ela e não podem fornecer provas a respeito; d) haja uma tendência de durabilidade; e) a conexão com outras organizações, no mesmo ramo ou em ramo diferente; f) a existência de mais de três pessoas.

Portanto, não é qualquer situação associativa que configura uma organização criminosa, sendo, aliás, um conceito jurídico que, embora fluído, é muito diferente de outros tipos penais, especialmente aquele referido no artigo 35 da Lei de Drogas (Lei n.º 11.343/2006), ao instituir o crime de Associação para o Tráfico. Neste caso, existe a necessidade de um animus de sociedade, isto é, um ajuste prévio no sentido da formação de um vínculo associativo de fato, em que a vontade de se associar seja separada da vontade necessária à prática do crime visado. Convergências ocasionais de vontades para a prática do delito não configura o crime do artigo 35 da Lei 11.343/2006, muito menos o crime de Organização Criminosa, não passando de crime praticado em coautoria.

Silvia Regina Becker Pinto

Advogada e Professora. (espaço de coluna cedido à opinião do autor)

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