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Lições ao acaso

Depois de muitas semanas, resolvi dedicar um tempo que não fosse ler coisas sobre o Direito, como assistir e fazer coisas mais leves e não tão sérias. Em meio ao massacre midiático e real diário de guerras, criminalidade, violência, crises institucionais entre os Poderes da República, disputas políticas, doenças etc., aliadas às responsabilidades do trabalho, aproveitei o último final de semana para assistir à segunda temporada de uma série que se passa, na Modernidade, na alta sociedade Inglesa, série pequena chamada “Bridgerton”.

A série não apresenta nada exatamente de novo. Tocante à primeira temporada, mudam os personagens em foco, mas, no fundo, a segunda também envolve a mesma temática: casamentos arranjados por conveniência entre os pais, em busca de títulos de nobreza, estabilidade financeira, segurança, participação na elite da sociedade, sem primazia ou muito espaço para o que as pessoas realmente sentiam umas pelas outras antes do casamento.

O enredo desconecta a gente da dura realidade da vida cotidiana (ao menos um pouco, especialmente considerando a vida efetiva da imensa maioria das pessoas que não têm tempo para se preocuparem senão com a sobrevivência e com pagar boletos, fazendo verdadeiros malabarismos para que o mês caiba no orçamento.

Porém, assistindo ao que quer que seja, sempre há, ao menos para mim, algo “outstanding”, isto é, alguma mensagem subliminar que fica gravada na minha memória, geralmente, algo que nem é o essencial da abordagem, mas é impactante para mim. Esse “algo”, nesta temporada de “Bridgerton”, foi uma expressão que apareceu em um diálogo travado entre a personagem “Louise”, uma jovem irreverente e feminista, de forte personalidade, enquanto dançava com um cavalheiro por arranjo da mãe dela, a Lady Bridgerton.

O rapaz queria conversar durante a dança, mas a moça, pouco interessada na conversa e na dança inclusive, pediu a ele se poderia se calar, porque ela estava concentrada, contando os passos para não errar a dança. E ela se explica:

⁃ É que o que te preocupa te domina!

O cavalheiro indagou: você já leu Locke?

Parei o filme e fui revisitar John Locke. Afinal, as coisas não progridem em minha mente sem que eu entenda o sentido.

De fato, “O que te preocupa tem controle sobre você” é uma das primeiras citações de John Locke, político e filósofo inglês conhecido como o “pai do liberalismo”, sendo considerado o principal representante do empirismo britânico (o conhecimento se adquire pela experiência) e um dos principais teóricos do contrato social para explicar o surgimento do Estado.

A questão que me pus a pensar em meio ao filme é: se tudo aquilo que te preocupa tem controle sobre você (e essa perspectiva é verdadeiramente estoica, corrente filosófica que preconiza que todo sofrimento sobre o que não temos controle e que não podemos mudar é inútil), então, praticamente somos escravos a vida inteira, porque sempre haverá algo a nos preocupar, especial na vida adulta.

Se for assim, seremos sempre e em alguma medida escravos de algo? Sim, pois, em nossa vida adulta, cheia de responsabilidades, sempre nos fará preocupar com alguma coisa. Se isso nos escraviza, a liberdade precisa perder sua ilusão e seu viés romanceado.

Parece-me também curiosa a reflexão de Locke. Eu mesma já havia pensado nisso muitas vezes, só não lembrava mais que alguém tentara transmiti-la muitos anos antes. Ainda bem que a história sempre tem algo a nos ensinar. O problema é que alguns se negam ou não querem aprender nada com ela!

Silvia Regina Becker Pinto

Advogada e Professora. (espaço de coluna cedido à opinião do autor)

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