Opinião

Insignificância e isonomia

Li um texto que me fez refletir sobre esse assunto

Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)
Comentário de Sílvia Regina. (Foto: Reprodução)

Li um texto que me fez refletir sobre esse assunto. Por isso eu gosto de leituras. Elas me fazem pensar o Direito e me dão forças para continuar.

Leio autores que gosto muito os que não gosto também, ainda que seja para criticá-los, pois refletir mais não significa que não possa Facontrapor ideias e extrair conclusões próprias, contra ou favor e mesmo incorporando parte delas ao meu conhecimento.

Assim, li um texto do Lênio Streck, com uma abordagem, entre outras, em torno do princípio da insignificância que, resumidamente, decorre do entendimento de que o direito penal não deve se preocupar com condutas em que o resultado não é suficientemente grave a ponto de não haver necessidade de punir o agente, tampouco de se recorrer aos meios judiciais, por exemplo, no caso de um leve beliscão, uma palmada, ou furto de pequeno valor.

Sarcástico, no texto que li, o autor sustenta que, historicamente, o direito penal tem sido feito para os que não têm e o direito civil para os que têm, sublinhando que foi assim com o Código de 1830 (feito para pegar escravos); com o de 1890 (feito para pegar filhos de escravos); e com o de 1940 (feito para proteger a propriedade privada contra os ataques da patuleia).

Quem é a patuleia para o autor? Não sei, mas desconfio que seja a turma dos três “P”s (Putas, Pretos e Pobres). O autor não é claro sobre isso na obra. Então, a definição é apenas um palpite meu.

E, para ilustrar seu posicionamento, o autor traz o exemplo da atribuição de sentido totalmente diferente do princípio da insignificância para determinados crimes, comparando, de forma sucinta, os crimes contra a ordem tributária, o descaminho e o estelionato previdenciário, com delitos como furto, apropriação indébita e estelionato de pequeno valor entre particulares: falta isonomia (igualdade) entre os crimes praticados pelos que estão no andar de cima e os que estão no andar debaixo (a maioria), diz o autor.

E ele exemplifica: em crime de sonegação, o Superior Tribunal de Justiça considerou R$ 10.000,00 insignificante (artigo 20, “caput”, da Lei 10.522/2002), sendo que Portaria do Ministério da Fazenda já fixou o mínimo de R$ 20.000,00 para execução de dívidas tributárias, pois, do contrário, não vale a pena movimentar a máquina judiciária.

De outro lado, o autor refere o ocorrido no Agravo em Recurso Especial nº 1340066/RS, em que o STJ firmou entendimento, relativamente a ilícito penal outro que, no caso concreto, não apresenta relevância jurídica pois o valor em questão não ultrapassava R$ 100,00. Logo, não há critério de insignificância, aplicado conforme o “subjetivismo” de cada juiz ou a cara do “cliente”.

Em outro exemplo, o autor traz um caso em que a 1ª Turma do STF, no HC 101.998 (da relatoria do Ministro Dias Tóffoli), entendeu que não cabia aplicar o princípio da insignificância ao caso de um furto de nove barras do chocolate Diamante Negro, avaliadas em R$ 45,00, pelo fato de o autor ser reincidente (esse é outro debate para outro momento).

Aceito a crítica de Lênio Streck: não há mesmo um critério isonômico na aplicação do princípio da insignificância aos crimes em geral, evidenciando uma tolerância muito maior para aqueles que praticam crimes no andar de cima.

Basta dizer que o pagamento do tributo devido antes do recebimento da denúncia afasta o crime; depois, reduz a pena, isso sem contar que o oferecimento da própria denúncia só pode ocorrer depois de esgotada a via administrativa. Já a devolução do objeto do furto, da apropriação indébita e do estelionato, por argumentar, antes do recebimento da denúncia, não afasta o crime. Isonomia?

Gostaria de ver algum aluno aprofundando um estudo dessa natureza, pois a própria vida, no direito penal brasileiro, é banalizada, com apenamento inferior aos crimes patrimoniais e de outra natureza, e o lugar próprio para essas reflexões é a Academia.