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Aborto, STF e outras histórias

Na semana anterior, abordei com meus alunos de Direito Penal, dentre outros crimes, o aborto, cujas modalidades estão descritas nos artigos 124 a 128 do Código Penal, um tema que sempre vem carregado de polêmicas, pelos influxos morais, filosóficos, sociológicos e religiosos que ele carrega e que, em sala de aula, creiam-me, não é diferente do resto da sociedade, uns contra e outros a favor, todos com argumentos sustentáveis sob um determinado ponto de vista.

Lá pelas tantas, formulei aos alunos a seguinte pergunta:

⁃ Em 29 de novembro de 2016, em ação autônoma de impugnação de Habeas Corpus, a 1ª Turma do STF formou maioria para entender que o aborto levado a efeito nos três primeiros meses de gestação não é crime. Seguindo o voto do Ministro Luís Roberto Barroso, o colegiado entendeu que, nesse primeiro trimestre, é inconstitucional o artigo 124 do Código Penal que prevê o autoaborto e o consentimento da gestante para que terceiro provoque nela o aborto porque fere o direito de liberdade da mulher sobre a disposição de seu próprio corpo e sua dignidade. Se dependesse de seu voto, como você sustentaria sua decisão, frente ao artigo 5° da Constituição Federal, que situa a vida como direito fundamental de todos?

Com a pergunta, eu queria ver se eles conseguiriam encontrar uma resposta dentro do Direito para a decisão, do tipo: o STF não poderia dizer que não é crime o que o legislador diz que é, porque estaria violando o princípio da separação dos poderes, ou o Supremo não pode legislar e dimensionar, com amparo no Direito, onde se dá o início da vida. Isso cabe à Medicina. Onze pessoas não têm o monopólio da verdade sequer sobre o Direito.

Mas as respostas vieram igualmente impregnadas por justificativas religiosas, morais, sociológicas, filosóficas enfim. E é assim por todo o lugar, o que eu, pessoalmente, compreendo muito bem, porque sou contra o aborto e minha contrariedade não tem nada a ver com a reprovabilidade jurídica.

Vamos admitir, como um dado, o entendimento do STF. Que houve uma descriminalização do aborto no primeiro trimestre da gestação, sem qualquer consideração de outra ordem.

Então, pergunto: se um dos fundamentos da decisão são, por exemplo, as condições precárias de saúde em que abortos, nos primeiros três meses da gestação, são praticados no Brasil, e o fundado risco de vida para a gestante, ao reconhecer que a conduta de abortar não é crime no primeiro trimestre de gravidez e que, portanto, é direito da gestante fazê-lo, o STF estaria também com isso dizendo que a gestante que não quer prosseguir com a gravidez pode pleitear fazê-lo pelo SUS?

Se sim, então poderá ingressar com uma medida judicial – com fundamento no direito fundamental à saúde, como ocorre nas ações de fornecimento de medicamentos, tratamentos e intervenções médico-hospitalares, postulando, se hipossuficiente, que o Estado-Juiz obrigue os entes federativos a realizar o procedimento abortivo necessário?

E os médicos, de outro lado, não poderiam opor nenhuma objeção de consciência, se essa fosse a situação? Disso a decisão do STF não deu conta, mas deixo aqui a reflexão, porque é sempre oportuno que se reflita que o Direito se relaciona com os demais aspectos da vida humana, da vida em sociedade e de políticas públicas.

Silvia Regina Becker Pinto

Advogada e Professora. (espaço de coluna cedido à opinião do autor)

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