Geral

A Política Fala Grego

A ideia de Política surgiu na Grécia, no período Arcaico. Em períodos anteriores, quando a explicação de mundo era mitológica, ela não tinha condições de se desenvolver. Porém, a partir do momento histórico em que os mitos já não ofereciam explicações convincentes para atrelar o destino dos homens à vontade dos deuses; quando os homens quiseram ter a responsabilidade pelo seu próprio destino e almejaram uma explicação racional (pelo raciocínio) para a sua existência e para a existência de todas as coisas (surgindo, aí, o início da Filosofia, do pensar racional), a Política pode se criar.

Alguns acontecimentos propiciaram que o homem, no período Arcaico, deixasse a forma mítica de entender o mundo, dentre eles, o surgimento da escrita, segundo um alfabeto (fazendo desaparecer o caráter sagrado da escrita antiga, só dominada no âmbito da Religião, passando ela a ser um fenômeno humano portanto); e o surgimento do calendário: os gregos perceberam que, independente dos deuses, as estações do ano, invariavelmente, se repetiam, uma sucedendo a outra. Nem que Zeus quisesse, ele faria dois verões um atrás do outro.

Também as navegações permitiram confrontar os mitos. Quando Ulisses (Odisseu, na Odisseia de Homero) voltou para a casa da Guerra de Troia, ele relatou ter encontrado, nos mares, dragões, monstros marinhos, sereias etc. Com as navegações em alta, os gregos andaram, andaram e andaram, mas nunca encontraram, em anos, nada daquilo, colocando em dúvida a real existência daquelas figuras mitológicas.

Ainda, o surgimento da moeda facilitou e favoreceu o comércio. Com ela, os gregos não precisavam levar em seus barcos um boi (pecus, em grego, donde vem a palavra “pecúnia” equivalente a “dinheiro”) para trocar por mercadoria. Bastava levar uma quantia em moeda.

Tudo isso deu condições ao surgimento da Polis (agrupamentos que, adiante, em Roma, darão origem às civitas ou cidades) e, na sequência, da “Política” (Polis + Ética, que vem do grego Ethos e significa um modo de ser), o que mudou completamente a estrutura das sociedades gregas.

Em que sentido? As “Polis” surgem ainda governadas pelos Eupátridas (um conjunto de homens “Paters”, descendentes dos deuses, cujo poderio estava fundamentado na terra); porém, com o desenvolvimento do comércio, os comerciantes restaram economicamente empoderados e também quiseram tomar parte nas decisões na Polis.

A Polis Ética nada mais era do que o debate público sobre o modo de ser na Polis. Ou seja, a discussão desse modo de ser em sociedade, ao contrário de ficar somente no âmbito do Conselho dos Eupátridas, passou a ser realizado em um espaço público, do qual poderiam participar todos os homens livres, sendo um espaço em que a palavra, agora, poderia ser questionada e o contraposta na Ágora. Era o nascedouro da Democracia (ainda incipiente).

É verdade que nem todo ser humano poderia participar do debate público, porque nem todo o homem grego era livre. Havia um déficit democrático muito grande, pois, por exemplo, as mulheres e os escravos (por dívida ou por captura de guerra) não eram cidadãos livres e, portanto, não poderiam participar dos debates nem das decisões. Observem, nesse cenário, que participar do debate político era a expressão e o sentido da própria liberdade para os antigos.

E grande legado que os gregos nos deixaram não foi apenas o de abrir um espaço público para o debate sobre o modo de ser na Polis, ou seja, a criação de um espaço público para fazer Política, pela discussão e decisão dialógicas (a palavra já podia ser questionada), pela regra da maioria (princípio democrático), mas, principalmente, mas, especialmente, o legado de que o homem grego que tosse parte naquelas discussões deveria ser um homem virtuoso.

Um homem virtuoso era aquele que, por saber muito bem separar o que era público do que era privado; do que era interesse da Polis e do que era seu interesse particular. Assim, no espaço público, que a todos interessava e sobre todos deveria repercutir, ele tomava decisões públicas, voltadas ao bem comum, ao bem de todos, criando leis justas e, assim, os gregos formavam uma sociedade justa.

Portanto, os homens políticos eram homens livres, que decidiam os rumos da Polis, criando, num espaço público de discussão, leis justas, visando ao bem de todos, por meio das quais estabeleciam a ordem dentro da estrutura social. Eram homens virtuosos que pensavam, naquele espaço público, segundo um modo ético de ser em sociedade para formarem uma sociedade justa.

Por que a Política ela não fala Português?

Porque, como regra geral, os homens que ocupam nossos espaços públicos aprenderam muito pouco a lição grega e se afastaram da virtude, perdendo o sentido dos fins do bem comum.

A Democracia, por aqui representativa ou semidireta – onde existe político profissional, que permanece no poder durante uma vida inteira -, gerou espaços propícios para uma completa confusão dos conceitos “público” e “privado”. E a verdade é que uma gama muito grande de nossos políticos ocupa o espaço público (a Política) como um espaço próprio para realizar seus interesses particulares. Já ingressam nesses espaços para esse fim.

Em outras palavras, em larga escala, já não sabem separar o que era público do que era privado. Misturam tudo. Bastam aceder a Política e estabelecem esquemas de corrupção, de lavagem de dinheiro, de favores, de clientelismo e de improbidade, para favorecimento de interesses pessoais e particulares.

Às vezes, eu tenho a impressão que o espaço público voltou para as mãos dos deuses. A gente é que se ilude de que ainda existe Democracia (e algum vínculo entre as razões do voto e a movimentação política do eleito), pelo simples fato de poder votar. Votamos, mas não decidimos mais nada. São os deuses que decidem.

Porém, esses deuses, comparados com os deuses mitológicos, integram uma deidade um pouco piorada, porque, hoje, existem, ainda, os titãs, mas eles não estão abaixo, senão que acima dos deuses da Política, sobre os quais nem os deuses nem nós temos nenhum controle.

Silvia Regina Becker Pinto

Advogada e Professora. (espaço de coluna cedido à opinião do autor)

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