Você está andando por um bairro tranquilo, cercado de árvores e terrenos vazios, quando ouve um som agudo e ritmado ecoando de longe — algo entre uma risada e um alarme natural. Ao se aproximar, dá de cara com uma ave alta, de pernas compridas e olhar atento. Não, você não está num safári. Está diante de uma seriema, uma das aves mais curiosas e surpreendentes do Brasil que, nos últimos anos, tem ganhado espaço até dentro das cidades.
Com seu jeito altivo, andar desengonçado e hábitos bem peculiares — como cavar com os pés e usar pedras como ferramentas — a seriema está chamando atenção de moradores e especialistas. E não é à toa: a urbanização acelerada e a destruição de seu habitat natural estão fazendo com que essa ave, antes associada ao cerrado, se aventure cada vez mais em quintais, parques e até canteiros de condomínio.
Quem é a seriema?
A seriema (nome científico: Cariama cristata) é uma ave nativa da América do Sul, especialmente do Brasil central, onde reina soberana no cerrado. Com cerca de 90 centímetros de altura e pesando em torno de 1,5 a 2 kg, ela se destaca por:
- Ter penas cinza-claras com tonalidade terrosa e uma crista elegante acima do bico;
- Possuir pernas longas e avermelhadas, perfeitas para correr em alta velocidade;
- Um bico curvo e forte, adaptado para capturar presas no chão;
- E seu famoso canto estridente, que pode ser ouvido a mais de um quilômetro de distância.
Apesar de voar pouco — e mal — a seriema compensa com corrida e resistência. Ela é, acima de tudo, uma habitante do chão.
O que ela está fazendo nas cidades?
Com a devastação crescente do cerrado, as seriemas têm perdido territórios naturais. A alternativa? Adaptar-se ao novo ambiente. E isso inclui:
- Campos de futebol abandonados;
- Condomínios fechados com jardins amplos;
- Terrenos baldios com vegetação baixa;
- Faixas de rodovia com mata ciliar.
A alimentação ajuda na adaptação: seriemas comem desde insetos e pequenos roedores até frutas, lagartos e cobras. Sim, cobras. É famosa a cena da seriema pegando serpentes pequenas e as arremessando contra pedras para atordoá-las antes de engolir. Um comportamento que impressiona e mostra a inteligência do animal.
O comportamento cavador que chama atenção
Além do canto peculiar, o que tem despertado curiosidade é a mania das seriemas de cavar com os pés. Elas usam as garras para revirar folhas secas, pedaços de madeira e até gramados bem cuidados em busca de alimento. É aí que muitos moradores urbanos acabam se deparando com elas — e às vezes se irritando.
Em áreas urbanas, esse hábito acaba gerando:
- Gramados revirados pela manhã;
- Hortas caseiras parcialmente destruídas;
- Crianças e pets assustados com o “bicho grande que grita alto”.
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Mas vale o aviso: as seriemas não atacam humanos. São aves tranquilas, curiosas, e normalmente preferem fugir quando percebem movimentação.
Elas fazem ninho em telhados?
Quase nunca. As seriemas preferem construir ninhos no chão, em locais protegidos por moitas ou entre arbustos densos. Porém, já há registros de algumas subindo em telhados baixos ou coberturas de área rural, justamente pela falta de vegetação segura para criar filhotes.
O período de reprodução vai de setembro a dezembro, e o casal costuma ser fiel e cuidadoso. Em áreas urbanizadas, é comum vê-los caminhando lado a lado com os filhotes — uma cena rara e encantadora.
Como conviver com seriemas na cidade?
Se você teve o privilégio de ver uma seriema no seu bairro, não enxergue isso como um incômodo. Essa ave é um indicativo de equilíbrio ambiental e mostra que ainda há espaço para a natureza mesmo em meio ao concreto.
Aqui vão algumas dicas de convivência:
- Não tente espantar com gritos ou objetos — isso pode causar ferimentos.
- Evite deixar comida disponível, como ração de cachorro ou restos de frutas no chão.
- Se encontrar filhotes sozinhos, não pegue — os pais estão por perto e podem retornar.
- Preserve áreas verdes próximas, mesmo que pequenas. Elas são refúgio para a fauna.
E lembre-se: a presença da seriema é sinal de que sua cidade ainda mantém traços de sua biodiversidade original.
Um símbolo silencioso da resistência do cerrado
A seriema é mais do que uma ave exótica com um grito inconfundível. Ela é símbolo de um bioma que está sendo silenciosamente devastado. A cada ano, milhares de hectares de cerrado desaparecem para dar lugar a pastos, monoculturas e expansão urbana desordenada.
E é aí que a seriema aparece como resistência viva, adaptando-se, deslocando-se, reinventando-se para sobreviver. Não é invasão — é sobrevivência.
Quando vi a primeira no meu quintal
Era início de manhã, e eu abri a janela para tomar café quando vi uma seriema caminhando calmamente entre os vasos. Pensei que fosse uma garça. Mas ela soltou aquele grito agudo e me encarou por longos segundos. Não fugiu. Caminhou tranquila, cavou um pouco a terra ao lado do limoeiro e sumiu entre os arbustos.
Desde então, ouço o canto dela toda semana. E confesso: é um lembrete de que a natureza ainda respira por aqui — mesmo que às vezes com dificuldade.
